Ao meu aluno Paulo, que nos deixou cedo demais, de forma súbita e imprevista. Aos meus alunos de todos os dias, de sempre e para sempre, porque, ao longo destes anos, me ensinam mais do que imaginam e, mesmo quando deixo de os ver, a memória permanece.
Se, durante anos, vivi o 25 de Abril sob a égide da claridade e limpidez de que falava Sophia, esta semana senti o choque de quem é confrontado com a total falta de sentido institucional daqueles que, no seu conjunto, afirmam representar-nos. Se, de um lado, assisti à mais total falta de educação e de civismo dos que vão apregoando uma solidez de valores que não lhes assiste, do outro deparei-me com o cinismo de quem, por se sentar nas cadeiras do poder, se sente impune.
Tão populista é invocar, sem outra consequência que não procurar captar votos, vícios antigos quanto o é ignorar em proveito próprio um ambiente de liquidificação dos valores mais básicos da república. Ambos são extremamente perigosos, na medida em que corroem os princípios basilares do sistema democrático.
Quando falamos nos valores de Abril, seguramente não pensamos em hooligans no Parlamento, cuja única força se expressa através de palmadas na bancada e que se arvoram no direito de dar lições de moral à justiça de outros países. Mas também não será com base nos valores de Abril que vemos ministras a mentirem, ministros a combinarem depoimentos em comissões de inquérito, acordos feitos por SMS que, depois, são negados, despedimentos em directo ou comentários desprimorosos do presidente da Assembleia sobre outros partidos. Nenhuma destas pessoas representa verdadeiramente o que a democracia nos trouxe. E, em rigor, do que não se fala é do que já deveria ter sido assegurado entretanto e que, de cravos ao peito, quem nos governa continua a negar-nos.
Quando sucessivas greves assolam o país, antes de apontarmos o dedo a quem nos provoca os incómodos que estas visam provocar, devemos perguntar-nos como chegámos à total degradação, entre outros, do Serviço Nacional de Saúde, da justiça, das forças de segurança. A seguir, talvez fosse oportuno reflectir a quem interessa este estado de coisas, designadamente uma justiça inoperacional. Por último, a lição de Abril deveria impelir-nos a encontrar uma solução para este caos, em vez de nos limitarmos a entreter-nos com os episódios de corrupção que nos servem ao jantar e a expressar a portuguesa e inconsequente revolta nas redes sociais.
Se, mesmo na noite mais escura, houve quem conseguiu dizer não, talvez seja momento de dizermos basta. Basta de populismos, em todas as suas vertentes e mesmo quando os seus autores sorriem para nós, prometendo-nos o melhor. Se calhar, principalmente nestes casos. Basta.