“Num tempo de engano universal, dizer a verdade é um ato revolucionário”
– George Orwell 

Temos sido entretidos com diversas notícias sobre a corrupção, como se, de repente, o país tivesse sido despertado para um fenómeno que nos acompanhou desde sempre. Ao mesmo tempo, os candidatos dos partidos ditos principais têm ido a um órgão de comunicação social declarar que nunca meteram cunhas e que ninguém lhas pediu. Nada mais ilusório.

Sendo Portugal o que é, obviamente que tal não pode corresponder à verdade, ou não vivem no mesmo mundo dos comuns cidadãos em que vários serviços públicos do Estado só avançam depois de muitos pedidos, algumas súplicas e outras tantas ameaças. Sempre foi assim e, enquanto não existir uma mudança profunda no sistema, sempre será, pelo que as respostas dadas só podem indiciar ou um total alheamento, ou a respetiva irrelevância dos declarantes para os cidadãos ou, hipótese mais provável, que todos queiram ficar na fotografia com um ar impoluto e honesto. 

Essa será uma mentira, mas percebe-se que assim seja, uma vez que a nossa mais recente fixação televisiva parece ser ver casos judiciais como quem vê uma novela, em que esperamos que os bons sejam felizes para sempre, e os maus muito castigados. Sucede que a justiça não é – nem pode ser… – uma história de cordel, contada para nos distrair da vida real. 

E, no que a Portugal diz respeito, a justiça falha muitas vezes e as explicações são várias. Ao contrário da maior parte dos comentários feitos em ambiente de taberna, sou das que não alinham no discurso de que é tudo corrupto, também na justiça. Essa é uma grande mentira. Há (manifesta) falta de meios, sistemas obsoletos, funcionários mal pagos. Mas, sabendo-me muito isolada, sou também das que não têm grandes ilusões sobre a existência de alguns feudos e de alguma sensação de impunidade, com timings políticos à mistura. Negar é outra mentira. 

O caldo que está criado, quando tudo o que é essencial nos falha, é apto a que as pessoas achem normal cidadãos estarem detidos em clara violação da nossa lei fundamental e gozem com isso. É, também, muito propício a que se faça tábua rasa do princípio da inocência porque os órgãos de comunicação social se transformaram no tribunal do povo, onde cada um de nós é compelido a julgar sem conhecer as regras do jogo. 

Não alinho nisto como não alinho em discursos populistas que, visando capturar o voto, querem fazer crer que só eles nos podem salvar de nós próprios. Não salvarão, até porque, na melhor das hipóteses, não são diferentes da (triste, é certo…) realidade de que se aproveitam. Dizer o oposto é outra mentira. 

Para mim, os princípios fundamentais serão sempre para se cumprirem porque é isso que nos distingue da barbárie. Mesmo quando não simpatizamos com as pessoas. Diria eu que principalmente nestes casos. Devemos desejar a todos a justiça que queremos para nós. Defender que isso sucede sempre será, provavelmente, a maior das mentiras.

Advogada

Artigo publicado na edição do NOVO de 3 de fevereiro