Por esta altura é tradição oferecer amêndoas da Páscoa, sobretudo padrinhos a afilhados. São amêndoas cobertas a calda de açúcar crocante e colorida ou chocolate, embora possam existir diversas variantes. Confesso que as que mais gosto são as Amêndoas Cobertas de Moncorvo, que para mais são certificadas IGP – Indicação Geográfica Protegida.

Googlei, a tradição das amêndoas de Páscoa: resulta do culto prestado ao ovo, associado às festas da primavera, tendo mais tarde sido incorporada na tradição Cristã, como símbolo de Ressurreição e eternidade. E a amêndoa tem a “virtude” de ser uma cultura tipicamente mediterrânica.

Em Portugal, até 2014, havia cerca de 30 mil hectares de amendoais e estavam maioritariamente na região Norte. Eram, e são, amendoais em modo de produção tradicional, ou seja, com compassos alargados, de sequeiro, com variedades tradicionais autoincompatíveis – ou seja, são necessárias duas variedades distintas e existir polinização cruzada para obtermos frutos – e elevadas necessidades de mão-de-obra. Além disso, muitos recordarão, era normal termos amêndoas amargas, como resultado das variedades usadas.

Na última década, temos assistido a uma reinvenção da cultura da amêndoa, através da modernização do seu modo de produção. Por um lado, o aparecimento no mercado de variedades autoférteis – sem necessidade da existência de duas variedades no pomar –, de floração tardia, menos vigorosas e mais precoces na entrada em produção, permitiu aumentar a produtividade dos pomares, assim como facilitar as operações culturais. Este melhoramento das plantas permitiu trazer uma nova modernidade à cultura e ver novas plantações de amendoal em copa ou em sebe.

Os pomares modernos em copa têm sistema de regadio e densidades mais elevadas do que o amendoal tradicional. As densidades podem variar entre 400 e 650 plantas por hectare e começam a produzir bastante mais cedo do que um pomar tradicional, podendo dar as primeiras amêndoas ao 4.º ano após a plantação e atingir o ano cruzeiro entre o 6.º e o 7.º. Os pomares modernos em sebe têm densidades mais elevadas, entre 1.300 e 3.000 plantas por hectare, e permitem que as operações culturais sejam mecanizadas quase na totalidade, da poda à colheita.

Dada as necessidades hídricas, a cultura mantinha-se geograficamente delimitada a regiões com maior volume de precipitação anual. A disponibilidade de água em perímetros de rega, como o Alqueva, Cova da Beira ou Idanha-a-Nova, permitiu que a cultura, com novos modos de produção eficientes na utilização de fatores de produção, se tornasse uma alternativa muito apetecível para os agricultores das regiões Centro e Sul do país.

Nos últimos dez anos, Portugal assistiu a um aumento para mais do dobro da área que existia e a uma “deslocalização” da cultura para a região Centro e principalmente o Alentejo, que viu a sua área de amendoal multiplicada por dez. Portugal foi o país do mundo com maior crescimento percentual de produção de amêndoa, resultado de muito investimento no sector.

Este boom foi estimulado pelo aumento de preços entre 2014 e 2016, fruto de quebras de produção na Califórnia. Este estado americano é responsável por mais de 80% da amêndoa comercializada no mundo. Os pomares instalados em Portugal permitiram ter custos de produção bastante competitivos e, em termos de rega, são muito mais eficientes do que a concorrência americana. Em Portugal, cada quilo de miolo de amêndoa necessita de 2,25 a 3 m3 de água e, na Califórnia, necessita de, pelo menos, 4 m3.

Foi assim possível transformar o cenário produtivo desta cultura no país. A produção aumentou cinco vezes em dez anos, passando de 9 mil para mais de 45 mil toneladas de amêndoa com casca, segundo dados do GLOBALAGRIMAR. E, pela mesma fonte, passámos a ter um saldo da balança comercial positivo, que em 2022 representou mais de 35 milhões de euros.

É um sector que, estando a adaptar-se a novos modelos de produção, ainda está a dar os primeiros passos. Os produtores tiveram de aprender sozinhos e com os seus erros. Tiveram de investir, ir ver lá fora o que de melhor se fazia. Um exemplo de empreendedorismo agrícola que vale a pena analisar. O atual enquadramento de mercado, com forte quebra de preços, é um teste à resiliência destes investidores. Mas os sinais que vemos são positivos. Nos anos recentes, assistimos à criação de estruturas de suporte essenciais à consolidação do sector, como é o caso do Centro Nacional de Competências dos Frutos Secos, que agrega mais de 50 entidades e promove o reforço da investigação, promoção da inovação e transferência e divulgação do conhecimento neste sector, e da Associação para a Promoção de Frutos Secos (Portugal Nuts), que agrega produtores de frutos secos de todo o país e pretende defender e representar os produtores nacionais e promover o aumento da competitividade dos mesmos.

Estamos claramente no bom caminho e, nesta época festiva, já podemos comer amêndoas portuguesas.

Boa Páscoa!

Engenheiro agrónomo

Artigo publicado na edição do NOVO de sexta-feira, dia 29 de março