Para cumprir a missão de construir e desenvolver um serviço público de saúde universal, sustentável e com foco na equidade precisamos não só de profissionais em número adequado e altamente capacitados para a prestação de cuidados, como de um corpo de gestores que percebam qual o sentido e missão de serviço público.

É importante olhar para fora, ver os erros que outras organizações cometeram e trabalhar para corrigi-los. Afinal de contas, não há melhor forma, e mais segura, de aprender e crescer do que com os erros dos outros.

Olhando para fora da saúde e recuando ao princípio do século XX. A marinha inglesa era a rainha dos mares. Tinha reputação e meios para suportar a sua ambição. Mas ao longo dos anos, a sua cultura organizacional decaiu, sendo possível identificar alguns erros de gestão que ainda hoje são fonte de aprendizagem. Vejamos dois exemplos.

Em primeiro lugar, a principal forma de avaliar os comandantes dos navios não era pela sua habilidade em executar manobras navais, pela destreza dos seus artilheiros ou pela coesão das suas equipas. Um bom comandante era aquele que mantinha sempre o seu navio esteticamente em boas condições. Ora, sabendo-se que disparar as armas dos navios criava imensa sujidade e que a pintura tinha que ser paga do bolso dos oficiais, tal critério criou um incentivo “informal” para que para que as munições de treino fossem atiradas ao fundo do mar sem disparo, promovendo uma utilização de recursos que não se traduzia em ganhos de eficácia e eficiência.

A gestão na saúde é igualmente avaliada por métricas erradas, que criam os incentivos errados. Não estamos a reconhecer os melhores porque conseguiram aumentar a qualidade dos cuidados prestados, ou porque o acesso melhorou na sua zona de atuação. Os melhores são aqueles que, voltando à metáfora naval, não levantam ondas e conseguem apresentar contas razoavelmente equilibradas. Mesmo que os resultados fiquem aquém do necessário e daquilo que seria possível se a abordagem à gestão fosse menos cautelosa. Teríamos muito a ganhar se fosse dada mais atenção a exemplos de boas práticas que vão surgindo dentro e fora do SNS e, sem criar altares, um maior reconhecimento a quem lidera instituições públicas que criam inovação, melhoram a qualidade e o acesso. Isto impulsionaria um círculo virtuoso que outros tenderão a acompanhar.

Relacionado com o erro anterior, a marinha inglesa tinha caído numa armadilha da liderança e gestão intermédia. Desconfiada da capacidade dos seus comandantes, retirou-lhes toda e qualquer autonomia. As ordens passaram a ser milimétricas e com um nível de detalhe absurdo. Numa época em que o rádio ainda dava os primeiros passos, o manual de sinais visuais cresceu para obra com mais de 500 páginas e, em vez de servir um propósito e reforçar a organização, a comunicação interna transformou-se num problema.

Também no serviço público de saúde, as equipas de gestão não têm a autonomia necessária. Há muito que reclamamos por maior autonomia, pela diminuição do centralismo e do controlo, quase que direto, do ministério da saúde e, especialmente, do das finanças. As promessas de maior autonomia são mais que muitas e de longa data, mas sem consequências práticas.

Tantos anos de controlo direto sobre as instituições criaram uma cultura organizacional negativa, que não incentiva a inovação e a resolução de problemas, nem permite adequar a oferta de serviços às necessidades de saúde da comunidade.

A liderança política tem de criar uma cultura que promova a qualidade, o acesso e a autonomia das instituições. É preciso retomar os programas de avaliação de desempenho das instituições, não numa lógica punitiva, que não ajuda a crescer, mas para conhecer o que corre bem e aprender com os bons exemplos.

Temos uma vantagem: sabemos quais os erros que outros cometeram! O serviço público de saúde pode e deve continuar a ser a pedra angular do nosso ecossistema de saúde, desde que os decisores políticos criem os incentivos certos, e com a necessária autonomia, para as administrações poderem corresponder de forma positiva.