Os governos minoritários raramente conseguiram levar a legislatura até ao fim em Portugal, sendo a “geringonça” de António Costa, o primeiro executivo de António Guterres e um de Carlos César nos Açores os três casos de sucesso desde 1976.

O governo que saiu do sufrágio de abril de 1976 durou dois anos, em vez dos quatro previstos, e isso deveria ter sido premonitório em relação ao quão difícil tem sido um governo sem maioria absoluta manter-se até ao fim em Portugal. Na República, em democracia apenas dois dos 16 governos sem maioria absoluta cumpriram a legislatura até ao fim e nas regiões autónomas apenas Carlos César cumpriu os quatro anos do VII Governo Regional, também minoritário.

O XIII Governo nacional, liderado pelo socialista António Guterres, foi o primeiro sem apoio maioritário do parlamento a manter-se até ao fim, entre 1995 e 1999, conseguindo acordos com o CDS ou com o PSD para aprovar orçamentos.

O mesmo já não aconteceu na legislatura seguinte, em que Guterres, reeleito em 1999 com 115 deputados, a um da maioria absoluta, acabou por ter um governo desgastado, com dois orçamentos aprovados com a abstenção do “deputado Limiano”, o centrista Daniel Campelo, que votou à revelia do seu partido em troca de um pacote de apoios para a sua terra natal, Ponte de Lima, incluindo a manutenção de uma fábrica de queijo.

António Guterres acabaria por demitir-se após o desaire socialista nas autárquicas de 16 de dezembro de 2001.

Quase em simultâneo, nos Açores, Carlos César venceu as legislativas regionais em 1996, acabando com a maioria social-democrata que Mota Amaral segurou por quase 20 anos. Era o “açoriano mais bem preparado para governar” a região autónoma, segundo declarações de Guterres, ainda primeiro-ministro, que pediu aos açorianos que lhe dessem “a alegria de trabalhar” com ele.

Manter a legislatura do VII Governo Regional dos Açores não foi fácil, até porque, apesar da vitória, o PS tinha no parlamento regional o mesmo número de deputados que o PSD. Logo uma semana após tomar posse, o governo PS foi salvo pelo CDS, que na altura tinha feito campanha contra a dominância do PSD no arquipélago, e votou a favor do primeiro programa do governo regional socialista.

Dois anos depois, este governo minoritário de Carlos César acabou por ser salvo pelo presidente Jorge Sampaio.

Em 1998, PSD e CDS tinham novas lideranças que começaram a preparar uma “geringonça” regional e planearam uma moção de censura para derrubar Carlos César. No entanto, a tentativa esbarrou no então Presidente da República, pelo que o plano falhou e o governo minoritário manteve-se até ao fim.

“Tive uma audiência com o Presidente Jorge Sampaio, em que ele me disse preto no branco que não daria posse a esse governo e convocaria eleições”, contou à revista Sábado de 15 de outubro de 2015 o então líder regional do PSD, Carlos Costa Neves.

A partir daí, o PS reforçou maiorias absolutas até que, em 2020, o PS de Vasco Cordeiro, apesar de ter sido o partido mais votado, sem maioria, foi finalmente ultrapassado pela “caranguejola”, um acordo pós-eleitoral de governo entre o PSD, CDS e PPM com o apoio parlamentar do Chega (dois mandatos) e da Iniciativa Liberal (um deputado).

Retirados os apoios da Iniciativa Liberal, que votou contra, e do Chega, que se absteve, ao orçamento regional para 2024, Marcelo Rebelo de Sousa decidiu dissolver o parlamento açoriano e marcar para o passado domingo eleições antecipadas que deram a vitória à coligação PSD/CDS/PPM, novamente sem maioria.

Esta “caranguejola” adaptou à realidade açoriana a “geringonça” criada pelo PS de António Costa, que governou o país entre 2015 e conseguiu terminar a legislatura em 2019. Costa não tinha um governo maioritário, nem sequer o PS tinha sido o partido mais votado nas eleições legislativas, mas conseguiu governar com o apoio parlamentar do Bloco de Esquerda, do PCP e d’Os Verdes, com os quais celebrou acordos escritos.

Além da dificuldade que os governos minoritários têm em cumprir legislaturas até ao fim, Portugal também já assistiu à queda de executivos apoiados por maiorias parlamentares.

Foi o caso da queda do governo que leva o país a realizar eleições em 10 de março deste ano, após a demissão do primeiro-ministro, António Costa, com base numa investigação judicial.

Também o governo maioritário de coligação PSD/CDS liderado por Pedro Santana Lopes caiu em 2004. Durão Barroso ganhou, com o apoio do CDS as eleições com maioria em 2002, mas abandonou o cargo de primeiro-ministro em 2004 para assumir a presidência da Comissão Europeia, tendo sido substituído por Santana Lopes, sem eleições, com base na maioria existente no parlamento.

A escolha do novo executivo sem realização de legislativas levantou muitas dúvidas até dentro do PSD e, em dezembro desse mesmo ano, o presidente Jorge Sampaio decidiu dissolver o parlamento, alegando “uma grave crise de credibilidade do governo”.

Durou cinco meses o governo com suporte numa maioria parlamentar, que Santana Lopes considerou “um bebé nascido de um parto difícil e, por isso, a necessitar de incubadora e que vê os irmãos mais velhos a dar-lhe estaladas e pontapés”.