APAV ajudou quase 1.600 crianças vítimas de violência sexual nos últimos cinco anos
Maior parte das vítimas são raparigas entre os 8 e os 17 anos.
Quase 1.600 crianças alvo de violência sexual foram ajudadas pela Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) nos últimos cinco anos, sobretudo raparigas entre os 8 e os 17 anos, na maior parte vítimas de abuso sexual.
Segundo os dados mais recentes do projecto Rede CARE — Apoio a Crianças e Jovens Vítimas de Violência Sexual, a que a Lusa teve acesso, 1.599 crianças tiveram o apoio especializado da APAV nos últimos cinco anos, 432 delas em 2020, um número que foi sempre aumentando anualmente desde a criação da rede em 2016.
Nesse primeiro ano foram apoiadas 195 crianças e jovens, tendo o número aumentado para 251 em 2017, 304 em 2018, 417 em 2019 e 432 em 2020, o que significa que entre 2016 e 2020 o número de crianças ajudadas pela APAV através deste projecto aumentou quase 122%.
Em declarações à agência Lusa, a coordenadora da rede explicou que, apesar de os crimes de natureza sexual não serem os mais reportados, continuam a ser crimes com “impacto muito significativo não só nas crianças e jovens, mas também nas famílias”, defendendo, no entanto, que estes números demonstram uma maior consciencialização para o problema.
“Passa-se aqui também uma maior sensibilização para esta problemática e uma quebra de barreiras porque normalmente estamos a falar de uma situação de violência muito vetada ao segredo e à manutenção dentro do círculo mais restrito possível”, apontou Carla Ferreira, justificando que o aumento no número de crianças apoiadas resulta do trabalho de prevenção feito ao longo destes cinco anos.
Por outro lado, apontou que o facto de as crianças e jovens terem ficado mais tempo em casa, na sequência do confinamento por causa da covid-19, e mais ligadas à internet, também pode explicar o aumento do número de casos sobretudo por causa de crimes como pornografia de menores ou aliciamento de menores para fins sexuais.
A responsável sublinhou que se trata de um fenómeno que “continua e vai continuar a acontecer”, e que, frequentemente é perpetrado por pessoas que a criança conhece, “a maior parte das vezes dentro da própria família”.
Os dados da APAV mostram que em 51% dos casos, a situação de violência sexual aconteceu dentro da família, sendo que dentro desta percentagem estão casos em que o autor da agressão foi o pai ou a mãe (18,5%), padrasto ou madrasta (12%), avô ou avó (4,6%), tio ou tia (5,3%), irmão ou irmã (2,3%) ou outro familiar (8,2%).
Mesmo quando a agressão se passou fora do seio familiar, o que aconteceu em 40,8% dos casos que chegaram à APAV, houve 12,4% situações em que o agressor era conhecido da criança ou jovem vítimas.
O perfil feito pela APAV mostra que em 79,8% dos casos a vítima era do sexo feminino, contra 19% em que eram rapazes, sendo que em 90,5% dos casos os agressores eram homens.
Já no que diz respeito à faixa etária, houve 262 casos em que as vítimas tinham entre zero e sete anos, 450 vítimas com idade entre os 8 e os 13 anos, outras 577 com idade entre os 14 e os 17 anos, mas também 242 casos em que as vítimas tinham mais de 18 anos, além de outros 68 casos em que não foi possível apurar a idade da vítima.
Por outro lado, os dados da APAV revelam também que nestes cinco anos houve 60 casos em que o agressor tinha menos de 15 anos, a maior parte com ilícitos através da internet, mas também algumas “situações muito pontuais” de agressões sexuais físicas.
Carla Ferreira explicou que nestas situações, de o agressor ter menos de 15 anos, a pessoa não responde criminalmente porque é considerado inimputável em razão da idade e é alvo de um processo tutelar educativo.
“Notamos precisamente parte destas situações a acontecerem muito relacionadas com a partilha de imagens e de algumas situações de ‘sextortion’ [extorsão através da internet associada à partilha de fotos ou vídeos de cariz sexual], mas estamos a falar de um universo na ordem dos 4% e 5%, não estamos a falar de mais do que isso”, adiantou.
Relativamente ao tipo de acto praticado, o relatório da Rede Care mostra que, no caso dos crimes contra a liberdade sexual, houve 8,4% de situações de importunação sexual ou 6,5% violações, enquanto nos crimes contra a autodeterminação sexual a maior parte dos casos (59,8%) foi referente a abuso sexual de criança.
Em 57,3% do total dos casos, os crimes ocorreram de forma continuada e em 76,4% das situações as vítimas denunciaram às autoridades policiais.