“Ao estudar as características e a índole dos animais, encontrei um resultado humilhante para mim”

Mark Twain

 

(No dia que este artigo conhecer a luz do dia, os portugueses estarão alegadamente a reflectir sobre as eleições para o Parlamento Europeu, cuja campanha foi marcada por muitas questões que nada tinham que ver com as competências do órgão para o qual se irá votar. A política deixou de ser uma arte para se transformar num espectáculo de baixo calibre, a ocorrer perante um público que caminha inexoravelmente  para a estupidificação colectiva. Páo e circo sempre foram alimento basto para um  povo que prefere o entretenimento ao conhecimento. O presente texto nada tem que ver, portanto, com actos eleitorais e não constitui qualquer apelo ao voto num ou noutro partido. )

 

Residente na capital desde que me conheço, sempre gostei de bichos no geral mas, percebo agora, tinha uma ideia profundamente errada sobre a designada causa animal, a qual veio a ser abalada por um processo judicial concreto onde intervim enquanto advogada. Em Portalegre, numa sala de tribunal, fui confrontada com fotografias de cães num estado miserável e percebi que, muitas vezes, mais do que resultado um mero acto de mero egoísmo, o abandono e os maus tratos se explicam por uma estratégia de aproveitamento até ao limite de quem não se consegue defender e subsequente “deitar fora” quando já não rendem o suficiente. Ao mesmo tempo que apregoamos grandes valores,  a verdade é que os animais não apenas continuam a servir de fonte de rendimento, como muitos são abusados e tratados de uma forma completamente indigna e, depois, abandonados à sua mercê, para irem morrer longe e de preferência longe de olhares.

Para os que andam distraídos, independentemente da sensibilização que é há anos feita, o número de animais abandonados e/ou mal-tratados tem aumentado. E, a par dos organismos oficiais e das instituições privadas mais conhecidas, o que é certo é que há um assinalável conjunto de pessoas que, completamente no anonimato, com claro prejuízo da sua vida familiar, profissional e financeira, usam o seu tempo para tentar resolver o estrago feito por outros.

No caso dos verdadeiros voluntários, isto é, dos que não se prevalecem dos animais para – também mas de forma mais encapotada – tentarem também obter rendimentos para si, são os novos heróis desconhecidos, aqueles de quem raramente ouvimos falar e que não nos pedem mais do que ajuda.

A forma como tratamos os animais demonstra não apenas o nosso grau de civilização como a nossa essência. Contudo, a forma como optamos entre a indiferença ou nos colocamos no lado certo é também apta a dizer muito de nós. No actual estado, já não basta dizer que não se podem maltratar animais: é preciso e urgente ir mais longe e ajudar os que os ajudam. Ser humano é ser capaz de ver para além de si mesmo. Mais não se exige. Menos não se pode aceitar.

 

(Não pretendendo excluir outros, pelo que fazem e como fazem, quero aqui agradecer publicamente à Joana Pedroso e à Animal Save and Care. Se não fossem ambos, nunca teria conseguido chegar até aqui. Não sou apenas eu que tenho que agradecer, parece-me. Todos nós o devemos fazer porque, sendo eles a carregarem as dores,  a responsabilidade é nossa.)