Há uns meses lancei o repto para se acabar com o discurso de “Eu não falo sobre política”. Mais do que uma necessidade total de envolvência política, a minha posição também se define pelo pragmatismo de admitir que, em muitos dos casos e em muitas pessoas, a militância é temática e seletiva – e isso é melhor do que militância zero.

O escrutínio excessivo da militância – política, não necessariamente partidária – obriga a crer que a disponibilidade terá de ser por inteiro e que, no lado inverso da moeda, o seu contrário é a total apatia. Isto não corresponde à verdade. A crescente disponibilização da informação em redor do mundo transforma-nos em alvos constantes; não o digo necessariamente de forma pejorativa. Tudo acontece ao mesmo tempo e, portanto, existe implícita uma certa obrigatoriedade de recolha e interiorização.

Os problemas no mundo são muitos. O mundo é muito grande. Temos de estar atentos ao que se passa na Ucrânia, na Palestina, no Sudão, no Congo, no Afeganistão, no Iémen, em Xinjiang. O aquecimento global continua por cá, a Amazónia continua a minguar, a Alemanha voltou a aumentar a exploração do carvão, a escravatura continua a ser uma infeliz realidade.

Todos estes problemas merecem a devida atenção. E ninguém consegue prestá-la a todos, em simultâneo, sem que, com isso, diminua a qualidade da luta e da reivindicação pela sua resolução. Esse tipo de ativismo é performativo, contraproducente, sinalização de virtude, delgado como pouca manteiga barrada sobre demasiado pão. A reivindicação torna-se o seu próprio propósito, como meio de comparação com os pares e a causa torna-se no conceito de causa em si, não o seu conteúdo.

Mantenho a minha crença de que existe, claro, uma certa obrigatoriedade moral de não ser ingénuo – uma certa obrigatoriedade moral aos mínimos olímpicos da inteligência e do reconhecimento do nosso ecossistema, não fossemos nós Homo Sapiens. É a partir deste pressuposto de interesse que conseguimos angariar mais conhecimento e envolver-nos no que nos rodeia, progressivamente.

Agora, a “seletividade” das nossas reivindicações não tem de significar a diminuição dos problemas que são reivindicados, e bem, por terceiros, até porque nada disto implica a falta de posicionamentos morais sobre os mais variados temas.

O excesso de envolvimento neste sentido dá-nos a escolher entre dois caminhos por onde não desejo caminhar. O primeiro trata-se, exatamente, de “prestar atenção”, individualmente, a todos os problemas no mundo; o segundo de identificar um grande problema megalómano (diga-se, capitalismo), com falhas inerentes que levam às consequências terminais manifestadas em vários polos. Como quem diz que ecologia sem luta de classes é jardinagem ou que não existe feminismo que não interseccional.

De qualquer dos modos: um vegetariano dir-vos-á que é preferível reduzir o consumo de carne do que manter uma dieta carnívora todos os dias e que, aliás, a diferença seria abismal se fosse esse o caso. Eu digo que é altamente preferível substituir o não-envolvimento político por algum envolvimento temático, ocasional e, de certo modo, seletivo, sem hipocrisia ou necessidade de total foco e dedicação às causas. A diferença é que a dieta vegetariana é possível, acessível e realista; a total atenção a todas as causas não o é.

Mestrando em Ciência Política e Relações Internacionais