A mudança de paradigma de transformação do modelo económico capitalista para um modelo económico sustentável a nível europeu e mundial, só é possível quando a esfera política legisla em torno da mudança social. O papel da agricultura sustentável, beneficiou do enquadramento estratégico que a Europa implementou como sendo o objetivo de diferenciação face a outros blocos económicos, mas teremos nós capacidade enquanto europeus de afirmar as nossas convicções no atual panorama mundial?
O desenvolvimento estratégico da agricultura sustentável não se esgota na esfera económica e política, visto que os dois maiores pilares para a sua implementação são as preocupações ambientais por via do consumo/produção em excesso de produtos alimentares, e a esfera social na mudança da opinião pública para reconverter e proteger o meio ambiente preservando as gerações futuras e nosso estilo de vida tendo em consideração o aumento da população mundial ( mas o cenário europeu é de decréscimo, e esta hein?)
A previsão de aumento da população mundial está a gerar imensos desafios ambientais e segurança/produção alimentar, segundo dados da OCDE, está previsto que a população aumente dois mil milhões de habitantes até 2050, e a economia mundial quadruplique o PIB. Este aumento terá um enorme impacto no consumo de água e energia (aliando a mudanças climáticas, poderá ser um barril de pólvora), tendo efeitos negativos na produção agrícola e contribuindo para o aumento da pegada carbónica, mas não podemos entrar em esquizofrenia sustentável colocando em “jogo” alguns cenários sociais e económicos (ainda iremos ver algum ministro das finanças a criar impostos verdes neste sector crucial).
Estas projeções podem ser assustadoras no consumo de produtos agrícolas, caso não sejam tomadas medidas políticas eficazes e eficientes com foco em produções sustentáveis do ponto de vista dos indicadores de base social, económica e ambiental.
A perda de biodiversidade tornou-se uma das maiores problemáticas do mundo contemporâneo, constituindo em simultâneo um enorme desafio para a atual e futura geração, visto que a gestão sustentável dos recursos (solos, água, energia), são fundamentais para a sobrevivência das espécies e dos humanos.
O sector agrícola com a crise de saúde pública provocada pela COVID-19 e mais recentemente pela invasão da Ucrânia e a crise do médio oriente, veio alertar a comunidade Europeia e Portuguesa da necessidade de investir em quadrantes de independência estratégica (agricultura e energia).
Segundo dados Pordata (2022), o peso económico do sector em 2021 correspondia a 3.5 mil milhões de euros, valores francamente baixos tendo em consideração o potencial agrícola nacional. Nesta dimensão económica e social do sector agrícola em Portugal e o aumento da procura por alimentos, o investimento em agricultura sustentável, será o fator de valor acrescentado para a valorização dos produtos agrícolas de maior valor nutricional, como de preservação dos solos e redução dos consumos de água utilizando sistema tecnológicos mais eficientes e dinâmicos.
O sector agrícola em Portugal é um dos mais fragmentados a nível económico, tornando mais exigente a implementação/execução do Plano Estratégico da Política Agrícola Comum (PAC), aprovado pela comissão europeia, sendo um dos principais objetivos do PAC 2023-2027, criar ferramentas que possibilitem aumentar o rendimento das explorações agrícolas. A nível macro o sector agrícola em Portugal é quase esquizofrénico, na medida em que 97% do tecido empresarial são micro e pequenas empresas (BP/2021), demonstrando que os restantes 3% são empresas médias e grandes que respondem a 67% do volume de negócio da economia agrícola nacional, demonstrando o potencial da agricultura sustentável em espaço rural de pequena dimensão para permitir a coesão económica e territorial.
Este fator aliado a um conjunto de incentivos nacionais e supranacionais tendo como foco o desenvolvimento agrícola sustentável de valor acrescentado ira modernizar os pequenos e médios produtores agrícolas, criando produtos de valor acrescentado para ir de encontro as novos hábitos alimentares e possibilitando a jusante a criação de economia circular em espaços rurais e desenvolvendo as microeconomias das regiões portuguesas. Existindo inúmeras opções para o desenvolvimento da agricultura sustentável, um caminho é certo, a agricultura para ser mais eficiente necessita de tecnologia e digitalização, e um dos maiores desafios para os produtores agrícolas sustentáveis será criar produtos alimentares nutritivos com um custo/benéfico que sejam percecionados pelos consumidores como sustentáveis ao orçamento familiar e sem perder a sua qualidade alimentar.
A humanidade é assim caracterizada pelos alimentos que consume, assim urge a mudança de paradigma para um conceito de sustentabilidade produtiva em espaço agrícola.
O desenvolvimento sustentável da agricultura no mundo não pode ser viável se não adicionarmos a esta dimensão a erradicação da fome no mundo, isto porque está na essência de sobrevivência que todos os seres vivos possuam uma alimentação nutritiva de qualidade e em proporção às suas necessidades fisiológicas de consumo calórico (Segundo FAO, cerca de um terço de todos os alimentos produzidos no mundo são perdidos ou desperdiçados na cadeia de abastecimento alimentar, dá que pensar esta magnitude).
No entanto os últimos dados elaborados pela ONU (2022), no relatório “Estado da Segurança Alimentar e Nutrição no Mundo”, o número de pessoas afetadas pela fome em todo o mundo subiu para 828 milhões em 2021, um aumento 46 milhões desde 2020 e 150 milhões desde o início da pandemia de Covid-19. Este é um cenário devastador tendo em consideração os desperdícios alimentares acima mencionados, é crucial que o desenvolvimento rural agrícola de cariz sustentável possa contribuir para uma alimentação saudável e de qualidade para todos os povos, sendo um elemento de equidade mundial e justiça dos povos. A pressão do consumo nos preços aliado a condicionantes externas energéticas e geostratégias, criou uma volatilidade enorme não só no acesso, como nos preços dos produtos alimentares, sendo estes considerados matérias-primas e transacionados nas bolsas mundiais, assim como a água. Estas considerações possibilitam vislumbrar um sector agrícola com elevados critérios de exigência alimentar, criando ferramentas que mitiguem a especulação mundial em torno de bens alimentares.
O desenvolvimento de políticas agrícolas sustentáveis no mundo, é crucial para o desenvolvimento das nações e reduzir as diferenças sociais em diferentes espectros sociais, se por um lado na Europa a dimensão é produtos de valor acrescentado com índices nutritivos elevados em África, a agricultura sustentável tem um efeito transformador nas comunidades em espaço rural porque lhes permite criar independência alimentar, económica e social. Este modelo possibilitara analisar que tipo de alimentos devem ser plantados e enaltecer de que forma os consumos alimentares devem ser alterados para convergir com a sobrevivência humana. Se a forma como nos alimentamos tem impacto no consumo energético e na emissão de gases que provocam o aquecimento global, torna-se essencial ou mesmo existencial a mudança para a agricultura sustentável aliada a novos hábitos alimentares, tendo por base as necessidades humanas, muito embora este modelo possa ir contra um modelo capitalista de alto consumo e rendimento, logo terá de existir equilíbrio e bom senso nestas transições de modelos alimentares e produtivos.
A necessidade de alterarmos os nossos hábitos alimentares para uma dieta equilibrada, terá não só impactos ambientais, mas como de saúde publica, assim desta forma, a produção de produtos alimentares sustentáveis com maiores índices de qualidade/nutrientes, poderá contribuir para mitigação de algumas doenças por excesso de consumos alimentares como os açucares refinados, carne e derivados. Se o foco for a inserção de mecanismos educacionais na sociedade para o aumento de produtos sustentáveis frutícolas, vegetais e cereais de alta performance nutritiva poderemos redimensionar o consumo com menos produção, mas maior valor, e reequilibrar a economia e permitindo mais equidade e criação de oportunidades.
A utilização de produtos agrícolas sustentáveis não só contribuía para uma alimentação mais saudável, como reduz o uso de produtos químicos e pesticidas preservando o cariz original dos produtos alimentares como o sabor, cor, dimensão e possibilitando ter mais qualidade e menor impacto na alimentação humana e animal criando fatores de saúde indesejados. O indicador nutricional no consumo de produtos sustentáveis agrícolas tem imensos benefícios para a saúde publica, visto que permite ter menos impacto no organismo humano, isto porque, é comprovado cientificamente que os produtos geneticamente modificados e produção em massa contribuem para uma maior inflamação do organismo, assim o foco no consumo de produtos sustentáveis é sem dúvida benéfico para prevenir algumas patologias e ter um sistema imunitário mais robusto.
Quem nunca ouviu que ao alterar a dieta alimentar para produtos biológicos, não se sentia mais leve e mais energético? Empiricamente todos sabemos dos benefícios e cientificamente está provado que os hábitos alimentares de produtos biológicos ou sustentáveis são os que mais contribuem para a mudança de saúde pública.
É importante enaltecer o papel da ONU na transição mundial para o desenvolvimento sustentável, na definição dos principais objetivos da sustentabilidade, o modelo que será implementado a nível estratégico, terá como um dos focos a preservação e segurança alimentar, mitigando as diferenças alimentares, sociais e ambientais, esta dicotomia estratégica terá mais profundidade se for analisada a “Agenda 2030” da ONU.
É assim primordial para a nossa sobrevivência ambiental e humana que sejam implementados modelos e técnicas para reduzir o desperdício alimentar em toda a cadeia de valor (produtor até ao consumidor final), desenvolver novos produtos agrícolas sustentáveis que sejam adaptados á mudança climática tornando-se mais produtivos e preservando a qualidade dos solos agrícolas para maior rentabilidade das culturas, ou seja não esgotar os solos a nível de nutrientes mas preservar a durabilidade aos longo de diversas décadas, possibilitar que todos, particularmente as crianças e idosos tenham acesso a uma alimentação rica em nutrientes ao longo do ano, e por fim mas não menos importante, criar ferramentas de conhecimento circular que fomente de forma ágil os benefícios da partilha de conhecimento em seio agrícola através do desenvolvimento de novas técnicas na modificação genética de sementes adaptadas á nova realidade e fomentado um banco de sementes partilhado que fomente a justiça social de partilha.
Esta reconversão estratégica de pensamento e operacionalidade do sector agrícola e alimentar internacional no ramo sustentável permitirá atingir diversas metas sejam elas europeias ou definidas pela ONU. A magnitude da dimensão alimentar não se esgota unicamente em assegurar uma produção suficiente para fornecer uma procura devido ao aumento populacional, mas também mitigar as desigualdades de acesso e desequilíbrios do sistema alimentar mundial.
Em suma, o paradigma da sobrevivência humana está exclusivamente co-relacionado com a capacidade em adaptar-se ao meio envolvente, tornando-se evidente que necessitamos de alimentos e água e solos férteis para continuarmos o processo evolutivo. O mundo atravessa um momento de enorme crise geopolítica e convergência sustentável internacional e existe a necessidade da agricultura em adaptar-se, assim, deste modo a agricultura de base sustentável é o caminho para um futuro positivo e equitativo. As políticas internacionais estão a ser delineadas para construirmos um novo modelo económico tendo como base evolutiva a sustentabilidade em todos os quadrantes da sociedade moderna, mas é preciso enorme bom senso na gestão das expetativas e numa implementação cega e contraproducente.
NOTA: Este artigo apenas expressa a opinião do seu autor, não representando a posição das entidades com as quais colabora.