As eleições do último dia 10 de março pintaram o Algarve de azul. Procuram-se agora razões para esta viragem abrupta à direita. Podemos, pelo menos, entreter duas histórias que competem entre si. A primeira é que existe uma base eleitoral no Algarve que se revê no essencial das propostas que o Chega tem para o país e para a região. A alternativa é que uma larga maioria dos algarvios está completamente farta da forma como os diferentes governos têm tratado a região. Pessoalmente, acredito que esta segunda visão está mais em linha com a realidade, até porque há boas razões para isso. Sintetizo as mesmas em torno de três pontos essenciais.

O primeiro é o completo abandono a que a região tem sido sujeita desde, basicamente, os primórdios da democracia. Ninguém consegue explicar a razão pela qual os variadíssimos problemas estruturais que assolam o Algarve continuam, sistematicamente, por resolver. Destaco apenas dois. O primeiro prende-se com a resposta do Serviço Nacional de Saúde (SNS). Sabemos que, atualmente, esta é uma preocupação do país. No entanto, este é um dos garrotes fundamentais ao desenvolvimento social do Algarve, há décadas. De facto, a escassez de médicos de medicina geral e familiar, gera um bloqueio crítico no acesso ao SNS, especialmente no Barlavento, o qual continua por resolver. Por outro, os diversos ministros da saúde têm de corar de vergonha quando o assunto é a construção do Hospital Central do Algarve. Esta estrutura está prometida há anos e apesar do lançamento de várias primeiras pedras e outros faits divers, a obra não se concretiza. Felizmente, outras regiões, que em tempos foram consideradas pelo poder central como sendo menos prioritárias do que o Algarve nesta matéria, já têm esta questão mais resolvida.

Mais recentemente temos a problemática da água. Desde (pelo menos) 2019 que se debate regionalmente este tema, com várias entidades e individualidades a alertar veementemente para a urgência de colocar no terreno soluções (que são bem conhecidas) para mitigar o draconiano impacto que os efeitos da escassez de água vai ter sobre a nossa economia e organização social. Mais uma vez, e em especial no pós-pandemia, assistimos a um desfile de ministros que nos fizeram muitas promessas e acenaram com muitos milhões de euros (patrocinados pela União Europeia, claro). No entanto, a verdade simples é só uma: estamos atualmente em risco de não ter água na região para prover as necessidades básicas do nosso ciclo urbano, isto para não falar da agricultura algarvia, a qual parece já ter sido totalmente descartada desta equação.

O segundo ponto que permite perceber o padrão de votos dos algarvios prende-se com a dinâmica económica da região. A sul, vivemos num completo paradoxo. Por um lado, o Algarve é consistentemente a região NUTS II com a segunda melhor performance no indicador Produto Interno Bruto per capita, que é assim uma espécie de termómetro para medir a riqueza produzida pelos habitantes de um determinado espaço geográfico. Ao mesmo tempo, o Algarve tem uma situação de pobreza marcadamente pior do que o resto de Portugal continental. O Plano de Desenvolvimento Social (PDS) recentemente apresentado pela AMAL e pelo Centro Distrital de Segurança Social de Faro, diz claramente que o Algarve é a região do continente com a taxa de privação material mais elevada, enquanto sofre de maior risco de pobreza após as transferências sociais. No final do dia, um em cada quatro residentes no distrito de Faro está em risco de pobreza.

O PDS deixa pistas que permitem perceber esta realidade. Em particular, o documento mostra que o emprego oferecido na região é, em média, pior do que o que encontramos no resto do país, sendo os salários mais baixos e marcadamente precários, notando-se ainda uma quase completa ausência de opções de trabalho para pessoas mais qualificadas. Assim se explica que o Algarve apresente o valor nacional mais baixo para o Índice Sintético de Desenvolvimento Regional, o qual é produzido pelo Instituto Nacional de Estatística, e compare cronicamente mal com o resto do país quando o tema é o rendimento por habitante (em 2020, este foi inferior à referência nacional em €565). Num contexto de forte inflação, o qual marcou os últimos tempos, e de aumentos brutais nas taxas de juro, será simples de perceber o descontentamento de uma larga fatia da população algarvia, que sobrevive sem qualquer perspetiva de melhoria no seu nível de vida a curto/médio prazo.

O terceiro aspeto é usualmente menos citado por ser incómodo, na medida em que se prende com a imigração. O PDS mostra que a população do Algarve tem vindo a crescer à boleia de um saldo migratório positivo, sendo este movimento sentido especialmente nas freguesias do litoral, nomeadamente entre Lagos e Faro. Neste momento, os dados disponíveis indicam que um quarto da população do Algarve é estrangeira (contra os 7.5% em termos nacionais), sendo que a percentagem de imigrantes supera a média nacional em todos os concelhos da região.

Por outro lado, é curioso notar que é no Algarve que se localizam oito dos dez concelhos do país com maior presença de imigrantes, incluindo o que tem a maior percentagem: 42% em Vila do Bispo. Em Albufeira, Aljezur e Lagos, um em cada três residentes tem nacionalidade estrangeira. Estas pessoas são necessárias para fazer funcionar a economia do Algarve já que, muitas vezes, acabam por ocupar lugares disponíveis que não são atrativos para os portugueses. Agora, é preciso cuidar da sua integração plena na nossa sociedade, olhando para aspectos básicos como a habitação (problema sem solução à vista no Algarve há várias décadas), o acesso à saúde e à educação. Este tema não pode continuar a ser ignorado, pois só assim se poderá combater uma certa perceção de insegurança que se vai, silenciosamente, instalando na região.

O Algarve falou. Cabe agora às diferentes forças políticas refletir sobre os resultados e tratar de resolver, no concreto, os nossos muitos problemas estruturais.

NOTA: Este artigo apenas expressa a opinião do seu autor, não representando a posição das entidades com as quais colabora.