A redução da precipitação nas últimas décadas, a par da ocorrência recorrente de eventos extremos, caracteriza o contexto em que vivemos, mas é a distribuição desigual da água pelo território que representa o maior desafio. Para fazer face ao mesmo, torna-se cada vez mais importante adotar medidas que moderem a procura, bem como implementar soluções que aumentem a oferta.

A procura de origens de água alternativas para aumentar a oferta levou a considerar a água do mar como uma possível fonte a explorar, permitindo aliviar a pressão sobre os recursos hídricos convencionais, tanto superficiais como subterrâneos. Uma das soluções mais comuns, utilizada em mais de 108 países, é o recurso a centrais de dessalinização, onde se estima que, atualmente, cerca de 300 milhões de pessoas sejam abastecidas por esta origem de água.

Portugal foi pioneiro a nível europeu na construção da primeira central de dessalinização, por osmose inversa. Esta central, construída em Porto Santo, em 1979, tinha uma capacidade de produção inicial de 500 m3/dia, tendo sido um investimento essencial para o sucesso da economia local e para o aumento da atividade turística. Atualmente, após sucessivos investimentos, a capacidade de produção de água foi aumentada para cerca de 6.500 m3/dia, sendo a única origem de água potável para o abastecimento público desta ilha, o que demonstra a relevância deste tipo de infraestruturas em situações muito concretas.

Tendo em conta os fenómenos de seca que afetam a região do Algarve, a construção de uma central de dessalinização foi incluída no Plano Regional de Eficiência Hídrica, publicado em julho de 2020, como uma das medidas estruturais para o reforço da capacidade de produção de água, fazendo parte de um leque de investimentos a executar ao abrigo do Plano de Recuperação e Resiliência. Não obstante, um ano antes, no Plano Intermunicipal de Adaptação às Alterações Climáticas da Comunidade Intermunicipal do Algarve, publicado em março de 2019, este investimento era identificado como uma opção de último recurso, a reavaliar num horizonte de 50 anos, devido aos impactos negativos associados. Entre estes encontram-se o elevado custo da água, associado ao consumo de energia, os requisitos ambientais e legais, a aceitação social e o financiamento inerente. Do ponto de vista jurídico, verifica-se que este é ainda um tema prematuro, dada a ausência de um regime legal específico que regule a atividade de dessalinização, tornando-se essencial enquadrá-lo, conforme aconteceu com o regime da água para reutilização, de forma a garantir uma maior certeza jurídica.

Atualmente, encontra-se na reta final o concurso público para a central de dessalinização na região do Algarve, prevendo-se que a obra esteja concluída no final de 2026. Isto significa que, na prática, este investimento será antecipado em cerca de 43 anos, em relação ao previsto no Plano Intermunicipal de Adaptação às Alterações Climáticas. A consideração deste investimento e o seu avanço, a par de outras medidas, como a melhoria da eficiência dos sistemas urbanos de água, bem como da agricultura, setor que mais água consome no Algarve, foi encarado pelas entidades competentes não como uma medida para aumentar a oferta de água na região, mas sim para garantir que a oferta se equipara à procura.

Mas vejamos, relativamente à eficiência dos sistemas urbanos de água, de acordo com o último Relatório Anual dos Serviços de Águas e Resíduos em Portugal, publicado pela entidade reguladora, ERSAR, a água não faturada nas Entidades Gestoras da região do Algarve foi, em média, de 26,5%, persistindo o desempenho mediano, estimando-se que 15,3 hm3 de água tenham sido efetivamente perdidos para o solo, o equivalente à capacidade inicial de produção de água prevista para a central de dessalinização do Algarve (16 hm3/ano). Ora, comparando estes dados com os do ano anterior, verificamos uma melhoria no volume de água perdido em 1%, o que corresponde a uma redução total de apenas 191.150 m3/ano. Tal facto leva-nos a crer que o combate às perdas de água nos sistemas de distribuição de água teve uma evolução pouco significativa nos últimos anos, reforçando a necessidade do recurso a outras soluções.

Assumir que a dessalinização é a solução para fazer face à falta de água na região do Algarve não é de todo apropriado, devendo esta ser encarada como uma medida complementar, de último recurso, e não como uma medida central e estruturante. Não obstante, encontrando-se efetivada a decisão de avançar com esta solução e sendo assumida como uma alternativa que contribuirá para a resiliência do abastecimento público de água à região, parece-me que será necessário encará-la como imprescindível para garantir o bom funcionamento da atividade turística no Algarve, um setor relevante para a economia da região.

A água, enquanto recurso escasso e indispensável, constitui um desafio que se apresenta como permanente, fazendo-nos encarar esta problemática como uma nova realidade. Cabe-nos capitalizar os conhecimentos científicos e a investigação desenvolvida pela academia, bem como desenvolver tecnologias que permitam evoluir e encontrar alternativas viáveis, tanto do ponto de vista económico como ambiental.

Engenheira

Este artigo apenas expressa a opinião do seu autor, não representando a posição das entidades com as quais colabora. Os dados apresentados provêm da Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos, 2023 – Relatório Anual dos Serviços de Águas e Resíduos em Portugal 2021 e 2022. Caracterização do setor de águas e resíduos. Volume 1