Foi no passado dia 25 de novembro, que teve lugar a votação final global do Orçamento do Estado para o próximo ano, a qual culminou, sem grande surpresa, com a respetiva aprovação com os votos a favor do Partido Socialista, força política que detém a maioria absoluta no Parlamento. Importa relembrar que o Orçamento do Estado é o instrumento de gestão que contém a previsão discriminada das receitas e despesas do Estado, incluindo as dos fundos e serviços autónomos e o orçamento da segurança social, mas excluindo os orçamentos das Administrações regional e local que dispõem de orçamentos próprios. Este documento representa, então, a forma como os dinheiros públicos vão ser geridos, limitando os poderes financeiros da Administração Pública de acordo com o orçamento proposto pelo Governo e aprovado pela Assembleia da República.

O seu processo de aprovação é algo moroso e tem várias etapas. Resumidamente, a primeira etapa respeita à entrega da proposta de lei do Orçamento do Estado ao Presidente da Assembleia da República pelo ministro das Finanças. Em seguida, passa-se para a discussão e votação dos princípios e disposições gerais expressos no orçamento proposto, ou seja, na generalidade. Na fase seguinte, a proposta de orçamento é analisada mais detalhadamente, ou seja, na especialidade. Durante as duas semanas seguintes, são realizadas audições aos ministros responsáveis pelas várias áreas governativas e a outras entidades, incluindo o Conselho Económico e Social e o Conselho das Finanças Públicas. É também durante este período que os grupos parlamentares e os deputados podem apresentar propostas de alteração ao Orçamento. Depois de aprovada na especialidade, a proposta é submetida a votação final global, em plenário, para aprovação do diploma com todas as alterações introduzidas durante o processo. Após aprovado, o texto é publicado no Diário da Assembleia, como decreto, e enviado ao Presidente da República, para a promulgação, terminando com a publicação em Diário da República.

Ora, concentremo-nos na fase de apresentação de propostas por parte dos grupos parlamentares: no processo orçamental que decorreu este ano, foram apresentadas 1.857 propostas pelos vários grupos parlamentares e deputados. Se, por um lado, as mais de 1800 propostas são o resultado de um processo democrático em pleno funcionamento, por outro, podemos ficar com a sensação de que o objetivo era simplesmente entupir o Parlamento e, sobretudo, de que terá havido muita dispersão, não tendo sido considerado em primeira linha o superior interesse da nação. Acresce a tudo isto o facto de haver um partido com maioria absoluta no Parlamento, o que significa que é este grupo que, em termos práticos, decide o que se aprova ou não. Efetivamente, foram aprovadas as 55 propostas apresentadas pelo PS e apenas 71 das propostas da oposição.

Se o pouco diálogo e a falta de consenso entre os partidos que representam os interesses e pretensões dos portugueses já nos deve deixar inquietos, o que nos deve mesmo tirar o sono é o facto do ano de 2023 ser patrocinado por um Orçamento cujas previsões macroeconómicas são bastante mais otimistas face às previsões apresentadas por outras entidades de referência, nomeadamente o Fundo Monetário Internacional, a Comissão Europeia e a Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública – IGCP, E.P.E. De facto, estas entidades foram unânimes ao perspectivarem, para o ano de 2023, um crescimento da economia portuguesa na ordem dos 0,7%, o que contrasta com a taxa de crescimento de 1,3% expressa no Orçamento do Estado para o ano em causa.

Analisemos, agora, o Orçamento do Estando para 2023 focando-nos na região do Algarve, que pode ser considerada uma espécie de “classe média”, uma vez que é das que mais contribui para a geração de riqueza do país, mas não é uma prioridade para os nossos governantes. O Algarve é visto como o tudo ou nada: o tudo, porque iguala à região de Lisboa e Vale do Tejo em matérias como, por exemplo, o regime fiscal de apoio ao investimento (RFAI), que é melhorado em todas as regiões do país à exceção destas duas; o nada, pois quando procuramos os investimentos que este orçamento prevê para o Algarve, são precisamente nada. Investimentos como centrais de dessalinização da água, melhoramento das redes de transporte ferroviário e rodoviário e infraestruturas, destacando a requalificação da EN 125 e a variante Olhão, ou o Hospital Central do Algarve, parecem funcionar apenas como bandeiras eleitorais, mas sem realização à vista. Note-se que a região autónoma da Madeira, que se equipara ao Algarve ao nível do potencial de geração de receita via Turismo, tem mais de 22 milhões de euros destinados à “construção, fiscalização da empreitada e aquisição de equipamento médico e hospitalar do futuro Hospital Central e Universitário da Madeira”, enquanto o Algarve fica com… zero.

Este é, sem dúvida, um orçamento para comer, chorar e orar.

NOTA: Este artigo apenas expressa a opinião do seu autor, não representando a posição das entidades com as quais colabora.