Tive a (muita) sorte de ter sido convidada a participar no workshop Lideranças Intermédias no Processo de Mudança, liderado pela Portuguese Association for Integrated Care (PAFIC) no IV Encontro Nacional de Integração de Cuidados.

A integração de cuidados está na ordem do dia desde a criação das novas Unidades Locais de Saúde (ULS) desde janeiro deste ano, ainda que seja um tema que se fala, pelo menos, desde a década de 1980, porque nem o modelo das ULS garante a integração de cuidados, nem a integração de cuidados depende da existência das ULS.

Para se compreender melhor, e porque tudo fica mais fácil com definições concretas, a Organização Mundial de Saúde há muito que postulou que a integração de cuidados deve ser centrada na pessoa, desde antes do seu nascimento até à sua morte, incluindo a promoção da saúde, a medicina preventiva, a medicina curativa, a reabilitação e os cuidados paliativos. Para a eficácia, eficiência, segurança e centralidade na pessoa, há que garantir que existam boas políticas de saúde pública, uma boa resposta dos cuidados de saúde primários em articulação com os cuidados de saúde hospitalares e sociais.

A Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares, em parceria com a EY Portugal e com apoio da PAFIC e da BAYER, apresentou em maio de 2024 o 1.º Barómetro de Integração de Cuidados, realizado em abril do mesmo ano com o intuito de medir a perceção da integração de cuidados pelos profissionais das ULS em seis dimensões: clínica, informação, normativa, administrativa, financeira e sistémica. O resultado médio deste barómetro foi o de que os profissionais do SNS têm uma perceção moderadamente positiva sobre a integração de cuidados, com a dimensão normativa a pontuar melhor (3.56/5) e a financeira com avaliação mais baixa (2.6/5).

O Algarve e a Região de Lisboa e Vale do Tejo são as regiões com mais baixa pontuação na perceção da integração de cuidados, em contraste com o Norte e Alentejo, que também são as regiões onde já existiam ULS. Relativamente aos profissionais de saúde, os assistentes operacionais foram a classe profissional que se mostrou com maior perceção da integração de cuidados e os médicos com a menor.

Estes resultados valem o que valem, mas podem ser vistos como um ponto de partida para comparação com as próximas edições deste barómetro, uma vez que só participaram 6.977 profissionais do SNS, de uma população de cerca de 150 mil, e a maioria das ULS tinha entrado em funções a 1 de janeiro.

Ainda assim, são dados que me preocupam, pois revelam que, independentemente do modelo, os profissionais estão muito pouco despertos para o que é, ou deve ser, a integração de cuidados. E já o deviam estar há muito tempo… Sem modelos eficientes de integração de cuidados, certamente vão ser perdidos utentes/doentes, haverá atraso ou falha na entrega de serviços, há uma clara insatisfação por parte dos utentes e diminui muito a custo-eficácia dos cuidados.

Claramente os gestores e administradores hospitalares estão (ou deveriam estar) mais familiarizados com esta temática e os restantes profissionais apresentam comportamentos muito diferentes: se, por um lado, nos cuidados de saúde primários se apela cada vez mais à necessidade desta integração efetiva, a verdade é que a área hospitalar – com cada vez mais especialização, sub-especialização e diferenciação – tem os serviços cada vez mais compartimentados e os cuidados mais desintegrados. Quanto às respostas sociais e da comunidade, são ainda muito deficitárias e tendencialmente com atitudes de desresponsabilização, passando para a esfera hospitalar este propósito.

O caminho é longo, mas não é de todo impossível. A criação das ULS pode contribuir para uma mais e melhor integração de cuidados, incluindo no Algarve – onde temos uma ULS tão grande, tão dispersa e tão heterogénea –, com a centralização dos cuidados na pessoa com tomada de decisão partilhada; o trabalho em rede; o aumento da comunicação entre os vários níveis de cuidados e seus profissionais; e o aumento da resposta social e da literacia em saúde na população.

O que vejo todos os dias a acontecer e a ser o maior obstáculo a tudo isto é a grande resistência à mudança, condicionada por estruturas hierárquicas tradicionais com lideranças não colaborativas. Desconhecimento, falta de formação e de motivação. E egos. Muitos egos.

Este artigo apenas expressa a opinião do seu autor, não representando a posição das entidades com que colabora