A doença de Sjögren é uma crónica imunomediada, caracterizada pela desregulação do sistema imunitário, que ataca tecidos e órgãos saudáveis, em particular as glândulas salivares e lacrimais, causando uma inflamação que leva à destruição do tecido das glândulas e depois à sua perda da função, como a produção de saliva e lágrimas.

A doença é considerada sistémica, visto que afeta todo o corpo. Apesar da sua causa ser desconhecida, atinge maioritariamente as mulheres no período pós-menopausa, entre os 40 e os 60 anos, num rácio de nove mulheres para cada homem.

“De um modo geral, 50% das pessoas com esta doença têm um tipo de envolvimento de órgão para além da secura da boca e dos olhos. Ou seja, isto pode afetar outros tecidos, seja as articulações ou a pele, perda de peso ou febre, sem haver uma causa aparente”, alerta ao NOVO Vasco Romão, médico reumatologista na ULS Santa Maria. Além disso, realça que  “também há sintomas mais comuns associados à secura, como dores no corpo, nos músculos, nas articulações, episódios de papeira ou um cansaço muito significativo também sem, aparentemente, existir uma razão para isso”.

“É, de facto, uma doença complexa em que os sintomas que aparecem são, por um lado, muito específicos, ou seja, a maior parte das pessoas que têm queixa de secura da boca, cansaço e dores musculares e articulares não tem esta doença. Mas, por outro lado, é preciso juntar todos os sintomas de forma a pedirmos os exames certos que permita suspeitar da doença e depois confirmar a diagnóstico”, sublinha.

Visto que é uma doença rara, o médico aponta que é difícil preveni-la. Entretanto, avisa que a base é genética, presumindo-se que possa ser evitada através de um estilo de vida saudável, com um equilíbrio entre o exercício, a gestão de stress, o sono e a alimentação. Contudo, ressalva, ainda não é evidente a correlação entre a doença e estes fatores.

O médico referiu ainda o início de um estudo com pessoas de um alto risco, por exemplo, por terem familiares em primeiro grau com a doença, ou alguns anticorpos sugestivos ou que já apresentem algumas queixas. Conforme explicou, depois será analisado como é que elas evoluem ao longo do tempo, sendo que este tipo de estudo ainda é escasso ou inexistente.

Vasco Romão recomenda, portanto, que se recorra ao médico quando certos sintomas sejam detetados  com frequência, como o cansaço inexplicável, secura na boca ou nos olhos, ou dores nas articulações. “Muitas vezes o problema, depois de aparecerem sintomas, é o diagnóstico, que requer uma avaliação especializada de médicos com experiência nesta doença, nomeadamente por reumatologistas, porque muitas vezes é confundida com outras”. Por exemplo, “a secura pode estar interligada à injeção de medicamentos como antidepressivos e vitamínicos”, explica.

E esclarece: “Em termo de tratamentos, esta é uma doença órfã. Não existem tratamentos aprovados para a doença de Sjögren, o que não quer dizer que não existam orientações”. Em 2020, foram emitidas recomendações pela Organização Europeia de Reumatologia, baseadas no tratamento dos sintomas, como medicamentos que estimulam a produção de saliva, e um bom cuidado de higiene oral e ocular, e de sono para gerir o stress e o cansaço.

Consoante o órgão, o tratamento pode precisar de ser mais intensivo, sendo que apenas em um ou dois por cento dos casos pode haver risco de vida. “Isto é uma doença que, no geral, não diminui a esperança de vida, nem aumenta a mortalidade face à população geral”, afirma, com a ressalva de que pode “diminuir muito a qualidade de vida”, e dar azo, em poucos casos, a “manifestações graves”, envolvendo órgãos mais importantes, como o pulmão ou os nervos periféricos. “A principal complicação a longo prazo é o desenvolvimento de linfoma, que é um cancro do sangue e que pode aparecer entre cinco a 10% dos casos”, com destaque para os casos em pessoas com 20 ou 30 anos que só descobrem a doença em estados mais avançadas.

Vasco Romão garante que o campo da reumatologia em Portugal está muito bem preparado, embora refira que, “infelizmente, ainda existam alguns hospitais sem serviços de reumatologia”. “Ainda há algo a fazer em termos de condições para as pessoas poderem ter acesso a consultas de reumatologia hospitalares e para tratar estas doenças que são complexas e que muitas vezes precisam de um contexto hospitalar onde existem várias especialidades”, disse, salientando a importância da interdisciplinaridade dos profissionais de saúde na identificação e cuidado desta doença, e também o papel “absolutamente fulcral, no nosso sistema de saúde”, dos médicos de família na resposta a este problema.

O médico observa que, na eventualidade rara desta doença ser confirmada por diagnóstico, o mais provável é que não tenha manifestações graves. E adianta que há estudos específicos em curso, incluindo no Hospital de Santa Maria, cujos resultados devem ser publicados em breve. “Assim, tem-se acesso a medicamentos inovadores de uma forma mais precoce e que podem eventualmente melhorar o prognóstico da doença no futuro”.

Editado por  L.L.