Esta semana estive numa visita ao estado da Califórnia, nos Estados Unidos da América, mais precisamente ao Vale Central, onde, entre outras coisas, tive a oportunidade de visitar a World Ag Expo, em Tulare. Esta é a maior feira agrícola anual ao ar livre, com mais de 1.200 expositores e que conta com uma afluência anual superior a 100 mil pessoas, realizando-se de forma contínua desde 1968.

O “Vale Central”, uma zona que tem uma extensão de 600 km de comprimento e 80 km de largura, o que equivale a cerca de metade da área de Portugal Continental, produz 8% do abastecimento agrícola dos Estados Unidos da América, embora só represente 1% das terras agrícolas do país. Mais de um terço dos legumes e dois terços das frutas consumidas nos EUA são produzidos na Califórnia, e o estado produz todas as amêndoas, todos os pistácios, todas as romãs e todas as nozes da América.

A Califórnia, mais conhecida por ser um estado ligado à tecnologia, com Silicon Valley, ou à indústria do cinema e do espetáculo, é também a grande potência agrícola da América. Apesar de ter apenas 4% das explorações agrícolas do total dos Estados Unidos da América, a Califórnia representa mais de 11% do valor agrícola americano. Em 2021, isso representou 48 mil milhões de euros de receitas da agricultura californiana, empregando mais de 420 mil pessoas. A Califórnia, se fosse um país, seria o quinto maior fornecedor de alimentos e outros produtos agrícolas do mundo.

Pessoalmente, já tinha tido a oportunidade de visitar esta realidade em 2019, mas, como imaginam, para um agrónomo é sempre um privilégio poder ver de perto uma realidade tão pujante e uma agricultura tão rica e com tanta importância económica e social. Apesar disso, a visita a esta feira, que reitero é uma das maiores expressões do dinamismo sectorial da agricultura californiana, permitiu-me, mais uma vez, confirmar a excelência e a evolução tecnológica da agricultura portuguesa. Não vi grande inovação que não fosse já utilizada na nossa realidade. A nossa agricultura moderna, sobretudo ligada às culturas permanentes, do ponto de vista tecnológico, nada fica a dever à agricultura californiana. Obviamente, sem igual escala de produção ou negócio.

Mas vim convencido que iria ver um sector em quebra e com dúvidas sobre o futuro. Afinal de contas, padecem de problemas idênticos aos nossos, sobretudo relacionados com a dificuldade de acesso à água e de dificuldades relacionadas com a falta de mão-de-obra, numa escala bem superior à nossa.

Para termos uma referência, em média, a agricultura da Califórnia irriga mais de 3,6 milhões de hectares, com origem em águas superficiais – rios, lagos e reservatórios que fornecem água através de uma extensa rede de aquedutos e canais – ou através de furos a partir de águas subterrâneas. Como termo de comparação, a área irrigada em Portugal Continental é de 562 mil ha, numa Superfície Agrícola Útil equivalente à área irrigada na Califórnia. A seca de 2020 a 2022 fez com que tivessem ficado em pousio, o que significa que ficaram, sem produzir, quase 160 mil ha em 2021 e quase 250 mil ha em 2022. Segundo uma estimativa realizada pela Universidade da Califórnia, os impactos na agricultura decorrente destas secas custaram 1,1 mil milhões de euros e conduziram à perda de quase 9.000 empregos.

Por outro lado, os agricultores californianos enfrentam dificuldades relacionados com a crescente escassez de mão-de-obra e os custos crescentes da mesma. Segundo dados da Universidade da Califórnia, 70% a 80% dos custos variáveis na agricultura dizem respeito a custos com pessoal. O salário mínimo na Califórnia aumentou, em 2022, para 15 dólares por hora e foi reduzido o número máximo de horas trabalhadas por semana a uma taxa regular, ou seja, sem necessidade de pagar extra. Os custos de mão-de-obra mais elevados e a crescente escassez de mão-de-obra agrícola faz que os avanços na automação e na tecnologia agrícola de precisão sejam encarados como peça-chave do futuro da agricultura. Isso mesmo estava bem patente na World Ag Expo, onde foi possível ver demonstrações de pulverizadores autónomos, de sistemas de validação da taxa de polinização das fruteiras ou de máquinas de colheita de diferentes tipos de fruta.

Apesar destas dificuldades e de uma pressão regulatória maior, o sector tem uma força incrível. Sente-se o pulsar de ter o peso de 14% da economia do Vale Central e de existir uma fileira, integrada e muito capacitada, que puxa toda para o mesmo lado. Apesar das dificuldades, é notório o otimismo do sector. As soluções procuram-se. Os problemas enfrentam-se e resolvem-se.

Os desafios da agricultura moderna são globais e devem ser enfrentados sem ideologias e sem demagogias. Os agricultores sabem, na Califórnia e em Portugal, que têm de ser capazes de produzir, mais e melhor, com menores recursos, mas também querem que haja cuidado na definição de políticas públicas que não condicionem o desenvolvimento da atividade. Talvez, por cá só falte mesmo estarmos todos a remar para o mesmo lado.

Engenheiro agrónomo

Artigo publicado na edição do NOVO de sábado, dia 17 de fevereiro