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A saúde sexual não precisa de politização

A saúde sexual e reprodutiva não se resume apenas no acesso ao aborto seguro e prevenção de doenças sexualmente transmissíveis. A OMS inclui igualmente a prevenção e tratamento de doença oncológica nos órgãos reprodutivos e a prevenção da violência sexual. Não devemos ceder aos falsos moralismos nem à politização da saúde. A ciência, os resultados obtidos e o humanismo devem ser os únicos fios condutores na definição de políticas públicas de saúde.

A politização da saúde sexual e reprodutiva, especialmente no que se refere à saúde e direitos das mulheres, é uma receita para o desastre. Quando o conservadorismo e o obscurantismo se instalam nas políticas públicas do setor, o resultado é sempre um aumento da carga de doença e de mortes evitáveis, assim como um sistema que se torna mais ineficiente, perdendo valiosos recursos que de outra forma estariam disponíveis para reforçar a capacidade instalada.

A subida do ultraconservadorismo da extrema-direita americana, personificada pela eleição de Trump, abriu espaço para uma sucessão de medidas e políticas que rapidamente se tornaram globais. O ataque à interrupção voluntária da gravidez (IVG) e a estigmatização das mulheres são apenas os exemplos mais visíveis desta tendência.

As Nações Unidas afirmam que nenhum Estado deve introduzir novas barreiras à IVG, devendo trabalhar no sentido oposto, isto é, melhorar o acesso à IVG, prática que a OMS considera como devendo integrar o pacote de cuidados básicos na área da saúde sexual e reprodutiva.

E não é preciso agitar espantalhos de palha! Apesar da tendência para a despenalização que assistimos desde os anos 90 a nível mundial, a taxa de IVG tem permanecido sensivelmente a mesma. Analisando de forma detalhada, países que despenalizaram o aborto obtiveram uma redução de 43% deste indicador, ao contrário de países que mantêm a criminalização, onde a prática aumentou 12%. Não punir as mulheres funciona em toda a linha. Ser verdadeiramente pró-vida só é coerente defendendo a escolha livre das mulheres e o acesso à IVG. Tudo o resto é apenas moralismo e vontade de punir mulheres e de limitar a sua capacidade de decidir sobre a sua vida.

O retrocesso norte-americano inspirou o retrocesso noutras latitudes. De forma formal e total, em países como El Salvador, Nicarágua ou Polónia. De forma parcial, ou não formal, muitos mais continuam a figurar ou engrossaram esta lista. No continente africano, onde a pressão dos grupos religiosos americanos mais se faz sentir, mulheres que residem em países como Nigéria, Quénia ou Ruanda sentem mais dificuldades. Na Itália de Meloni, a maioria dos profissionais tornou-se objetor de consciência, por opção ou coação, estimando-se que apenas 30% dos profissionais da área se encontre  disponível para prestar cuidados de saúde nesta área. Ilhas como a Sardenha ou Sicília são particularmente atingidas, com capacidade de resposta a apenas 20% das necessidades das mulheres.

Isto prova que não é necessário alterar a lei para reverter os direitos das mulheres. Basta criar um caldo cultural conservador – que prioriza a religião em vez da ciência, mais preocupado em punir do que em cuidar, que nem está tão interessado em salvar vidas como está em castigar as mulheres – para que este direito seja revertido.

Não é só a IVG que sofre este retrocesso. Todo o campo da saúde sexual é alvo do mesmo ataque conservador. O exemplo mais trágico é, sem dúvida, o fim do O Plano de Emergência do Presidente dos Estados Unidos para o Alívio da SIDA (PEPFAR), extinto pelo Partido Republicano quase vinte depois de ter sido criado, em 2003, pelo também republicano George W. Bush. Esta iniciativa contribuiu para salvar cerca de 25 milhões de vidas, maioritariamente no continente africano, tornando-se no maior programa de saúde global de sempre. Além das vidas salvas, contribuiu decisivamente para o avanço da ciência na área do VIH.

Fez na semana passada 17 anos que Portugal referendou a despenalização da IVG. Quase 60% dos votantes concordaram com a premissa de que nenhuma mulher deve ser presa por realizar um aborto e que este deve ser feito com segurança e dignidade. Com este marco histórico, não só respeitámos a autonomia das mulheres, garantido o acesso a cuidados de saúde de qualidade, como reduzimos o número de IVG.

A saúde sexual e reprodutiva não se resume apenas no acesso ao aborto seguro e prevenção de doenças sexualmente transmissíveis. A OMS inclui igualmente a prevenção e tratamento de doença oncológica nos órgãos reprodutivos e a prevenção da violência sexual. Não devemos ceder aos falsos moralismos nem à politização da saúde. A ciência, os resultados obtidos e o humanismo devem ser os únicos fios condutores na definição de políticas públicas de saúde.

Enfermeiro da Urgência Pediátrica e coordenador da Unidade de Saúde Pública Hospitalar do Hospital Fernando Fonseca


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