Os Estados Unidos terão um novo presidente em janeiro do próximo ano. Embora a equipa Trump 2.0 ainda não esteja formalizada, Robert F. Kennedy Jr., que desistiu da sua campanha para endossar Donald Trump, já anunciou que foi convidado para gerir as políticas de saúde da nova administração. Em cima da mesa, encontra-se a gestão do Departamento de Saúde e Serviços Humanos e as respetivas agências subordinadas, como o Centro para o Controlo e Prevenção de Doenças, a agência responsável pela segurança alimentar e medicação ou outras menos mediáticas, mas igualmente importantes.

Como advogado, Robert F. Kennedy Jr. popularizou-se com o tema da defesa do ambiente, encabeçando processos contra várias indústrias poluentes, e fundou um movimento dedicado à preservação da qualidade dos rios. Depois da pandemia, começou a aproximar-se das posições da direita radical. Apesar de defender o fim das exportações de gás natural e consequente diminuição do consumo de combustíveis fosseis, tornou-se crítico do programa democrata de investimentos em energias renováveis e nas metas de redução de emissões de gases com efeito de estufa.

Sobre saúde, as posições de Robert F. Kennedy Jr. são públicas, preocupantes e baseadas num profundo obscurantismo. É negacionista das vacinas. Todas. Afirma que não há dados sobre a sua eficácia (a varíola e a poliomielite bem que gostavam que fosse verdade…), que são demasiado recentes para se conhecer a sua segurança, quando a humanidade começou a experimentar com o conceito de vacina há cerca de três mil anos e a vacinação moderna começou no Reino Unido 1799. Diz igualmente que não há regulação, quando, na realidade, este é um dos setor mais regulados, escrutinados e avaliados das ciências da saúde.

Por fim, também diz que as vacinas servem apenas para enriquecer a indústria farmacêutica. Quem me lê sabe que denunciei a indústria, em várias ocasiões, por priorizar os lucros em detrimento da saúde. Mas é preciso ser sério nas acusações. Para alguém que está longe de defender a socialização das vacinas e o controlo/regulação da indústria em nome do bem comum, só resta mesmo um argumento fraco para tentar contrapor o facto de, muito provavelmente, as vacinas serem a invenção humana que mais vidas salvou na história. Atacar as vacinas desta forma não revela apenas uma profunda ignorância como também contribui para minimizar ou mascarar os vários casos em que a indústria tem, realmente, de ser chamada à responsabilidade.

Ter um teórico da conspiração com estas responsabilidades é apenas mais um sinal do degradar das instituições. A era da pós-verdade criou a pós-ciência. Qualquer pessoa, desde que fale com assertividade, é automaticamente referência em qualquer área específica do conhecimento. Estou longe de defender que há assuntos restritos a peritos. A ciência deve ser popular e acessível. Mas é fácil entender que, por muito disponível que o conhecimento esteja, quem estuda durante toda uma vida determinado assunto  tem sempre mais capacidade de análise e de interpretação.

Robert F. Kennedy Jr. não é apenas anti-vacinas. Afirma também que o Wi-Fi provoca doença oncológica, é contra medicação antidepressiva, contra flúor e, como se tudo isto não fosse suficiente, também reedita uma conspiração antiga: que o VIH não existe. A este catálogo, ainda há que juntar os constantes ataques à saúde sexual e reprodutiva, que os republicanos têm vindo a fazer na última década, tanto dentro portas, como na saúde global.

Há um ponto onde Robert F. Kennedy Jr. tem razão: há portas giratórias entre a grande indústria farmacêutica e os reguladores. Mas convém não esquecer que o último responsável pela saúde do primeiro mandato de Trump, Alex Azar, veio diretamente da indústria. Bem prega Frei Tomás!

A saúde precisa de ciência, não precisa de ser gerida com base em teorias da conspiração mais ou menos recentes propaladas pelas redes sociais. É um perigo enorme não apenas para os americanos, mas para todo o planeta, dar a responsabilidade da saúde a alguém como Robert F. Kennedy Jr.. A tragédia é ainda maior quando sabemos a forma disfuncional como sistema de saúde dos Estados Unidos opera. No fundo, este é um caminho fácil. Em vez de prometer acesso universal a cuidados de saúde de qualidade, promete seguir a última tendência no mundo da pós-ciência.