“A Regulação” poderia ser um termo da novilíngua, o eufemismo para “censura”.

Nunca vivemos tempos em que se evocam tanto as conquistas de Abril, e também nunca se viu tanto desrespeito pelas conquistas da data.

O que tem o presidente da Assembleia da República em comum com uma influente apresentadora de televisão?

Ambos pedem “a regulação das redes sociais”. Que é como quem diz, “regular conversas”, “regular pensamentos”. Passa-se na dimensão virtual, por estarmos em 2022 e as redes sociais terem assumido uma dimensão importante na forma como nos comunicamos e disseminamos informação, às vezes verdadeira, outras vezes, não. Mas não é demasiado arrogante assumir que as pessoas precisam que lhes digam o que é verdadeiro?

Não é demasiado condescendente assumir que o cidadão comum precisa de ter quem pense e escrutine por ele? Quem decida por ele conceitos de certo e errado?

Não será indecente aparecer e decidir que há pensamentos mais puros que outros? Valores mais virtuosos que outros?

Recuando aos anos 30 do século passado, em plena ditadura, também foi implementada uma “regulação ao discurso”. Contudo, esta era aberta, assumida e sem eufemismos: censura.

A ideia, na época, era que qualquer notícia sobre desrespeito à autoridade deveria ser imediatamente silenciada, para que não inspirasse a ideia de tumultos e faltas de respeito a qualquer forma de poder em Portugal.

A ideia era implementar uma cultura do “respeitinho” que durou várias gerações e que ainda hoje se sente entre o povo português: o medo de ser plenamente livre.

O quanto alguns ainda anseiam pelo “respeitinho” e o quanto outros aproveitam esse medo da liberdade para, vestidos de boas intenções, protegerem um sistema que os serve.

Durante o Estado Novo, primeiro, cortou-se na liberdade de imprensa, depois nos livros… e depois no discurso directo. A memória não nos pode abandonar em nome de um qualquer proteccionismo.

É legítimo perguntar: o que teme quem teme o pensamento livre? Menos legítimo é acreditar que este género de requisição tem algum fundo de boa intenção, como o de proteger o bom nome, a honra e eventuais danos que possam advir de discurso difamatório perante os visados. É que esses casos já estão previstos no artigo 180.º do Código Penal:

“Quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo, é punido com pena de prisão até seis meses ou com pena de multa até 240 dias.”

A liberdade não é um conceito abstracto e, se calhar, para alguns, não é perfeito. A liberdade nem sempre (e, felizmente, a quem nada esconde) irá servir os interesses pessoais, governamentais. Mas a liberdade, quando chamamos por ela, é completa.

Vivemos tempos em que é proibido questionar o statu quo, enquanto falamos de democracia.

Hoje em dia estamos de boca amordaçada enquanto dizem que a mordaça serve a nossa liberdade.

Que a memória histórica em Portugal não se apague nem se esbata, que seja o suficiente para que não permitamos o regresso de qualquer órgão censório, sob um nome eufemista apresentado e recomendado por pessoas bem vestidas e bem articuladas.

Pela liberdade, sempre.