Hoje é o dia da reflexão e é também em alguma medida, o Tempo de Vésperas.

A reflexão define-se como sendo o ato de pensar o próprio pensamento, um ato de conhecimento que se volta sobre si mesmo procurando, isoladamente, um entendimento, a compreensão de algo tendo por base uma observação atenta e profunda, oral ou escrita, de um determinado fenómeno. E a reflexão crítica é o posicionamento de um indivíduo, autonomamente, independente de informação escrita ou oral que receba.

É por isso bastante anacrónico que no chamado “dia de reflexão” não possa existir, por imperativo legal, informação, designadamente escrita, sobre o próprio fenómeno que se pretende seja objeto de uma reflexão atenta e serena. Um verdadeiro absurdo, para mais quando, nos dias de hoje, é quase impossível limitar o uso das redes sociais como forma instantânea de transmissão de mensagens e para mais quando o voto antecipado foi generalizado, independentemente dos casos de estrita necessidade, tendo, por exemplo, o Presidente da República anunciado que votaria antecipadamente por se considerar suficientemente esclarecido. Terá Marcelo votado de forma irrefletida? Isto considerando que o fez em plena campanha sem o tal dia de reflexão que a Lei exige… Confiamos que não. Mas parece-me óbvio que pôr fim a este dia de reflexão será uma tarefa do próximo Parlamento, seja qual for a sua composição.

O dia de reflexão é também um tempo de vésperas, uma boa designação que deu título a um dos livros mais importantes do professor Adriano Moreira, obra científica à parte, um livro notável, a par, por exemplo, do Novíssimo Príncipe.

Em tempo de vésperas, Adriano faz uma análise (sem paralelo com o momento atual, diga-se à cautela) dos últimos momentos do Estado novo, a partir de um conjunto de crónicas escritas para o Notícias da Beira, depois do desaparecimento do seu fundador, D. Sebastião de Resende, o Bispo da Beira, figura maior da Igreja Católica e do africanismo, uma personalidade inspiradora para o próprio Adriano. O que apreen- demos com a obra é sobretudo o facto de um poder político que já não responde aos anseios de justiça e qualidade de vida dos cidadãos ter de encarar a sua substituição, como uma inevitabilidade. A ideia de que o poder tem sempre uma validade e que o esgotamento, a ausência de soluções, as contestações de vários sectores, designadamente dos ligados à autoridade do Estado, como acontece neste tempo de vésperas a que se refere Adriano, fazem sempre surgir e são, normalmente, um prenúncio lógico de um desejo de mudança e, consequentemente, de afirmação de uma alternativa.

Sabemos que, em democracia, estes ciclos raramente ultrapassam os oitos anos e as eleições são, em si mesmas, uma oportunidade de regeneração.

Porque a reflexão é, no plano individual, uma necessidade evidente de compreensão do sucedido para que as escolhas e eventuais mudanças tenham lugar… Hoje, só posso desejar a todos os leitores um bom dia de reflexão.

Advogado

Artigo publicado na edição do NOVO de sábado, dia 9 de março