Condenados há mais de 200 anos ao silêncio.
Condenados a uma existência exasperada e amordaçada.
Condenados a uma desatualizada pequenez, sem aspirações e estanques num tempo que não pretendem recordar.

Desde o início do século XIX que a Geórgia viria ser invadida, anexada e subjugada à sovietização e àquilo que se tornaria a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. A invasão da Ucrânia por Vladimir Putin pode ter sido recebida como uma surpresa para diversas pessoas; contudo, desde 2008 que o povo georgiano a esperava.

A intitulada Guerra Relâmpago serviu para a Rússia reafirmar a sua presença nas regiões separatistas da Ossétia do Sul e Abecásia que, até então, se mantinham como territórios internacionalmente reconhecidos como parte da Geórgia. Apesar de este conflito ter sido relativamente curto, os efeitos perpetuam-se até hoje, dado que, apesar de extensas negociações internacionais para o fim do conflito armado e um cessar-fogo, as tropas russas mantiveram a sua presença nos territórios ocupados.

Assim, atualmente, cerca de 20% do território georgiano é ocupado, desde 2008, por tropas russas, estilhaçando qualquer desejo georgiano de se relacionar com o Ocidente. Desde então, o país ficou parado no tempo, condenado a uma permanente ligação com a Rússia, desde a ocupação até à dependência económica. Em 2023, a Rússia terá contribuído com 3,1 mil milhões de dólares para economia georgiana, através de remessas, turismo e exportação de bens, mais 13% do que em 2022. O peso da Rússia na economia georgiana é notório e cresce ano após ano, contribuindo em 10,3% para o PIB.

Nos anos que seguiram à Guerra Relâmpago, o povo georgiano elegeu Mikheil Saakashvili como presidente, que pautou o seu mandato pela aproximação ao Ocidente e pela reforma profunda do sistema policial e judicial. Em 2012, com Saakashvili impossibilitado de cumprir um terceiro mandato, o Sonho Georgiano vence as eleições, liderado por Giorgi Margvelashvili.

Margvelashvili assume o cargo com reforçada legitimidade e confirmação do Sonho Georgiano como governo, depois de, em 2013, Saakashvili ter sido acusado e subsequentemente preso por abuso de poder e corrupção. Desde então, pelo contínuo enfraquecimento do maior partido de oposição ao atual governo, a situação política, cultural e económica da Geórgia nunca mais foi a mesma.

Observámos o crescimento e normalização de um discurso pró-russo por parte deste governo, que levou à aprovação da controversa lei dos agentes estrangeiros. Configurando esta lei uma ameaça à liberdade de imprensa e às aspirações de uma adesão à União Europeia, a Geórgia caminha rapidamente para um indubitável isolamento. Esta lei veio criar um registo obrigatório das ONG, associações e meios de comunicação social como defensoras dos “interesses de uma potência estrangeira” se receberem mais de 20% de financiamento do exterior. A oposição acusa o governo de utilizar uma legislação semelhante à da Rússia, colocando a Geórgia na esfera de influência do Kremlin, ao estigmatizar os meios de comunicação social independentes e as organizações críticas de Putin. Apenas com a aprovação da lei, a Geórgia caiu a pique no Índice Mundial de Liberdade de Imprensa.

Ademais, observamos novos desenvolvimentos neste jogo de xadrez com a reeleição do Sonho Georgiano e o mais recente pedido da Rússia para a delimitação das fronteiras entre as regiões separatistas da Abecásia e Ossétia do Sul e os territórios controlados pelo governo georgiano, de modo a perpetuar e regularizar a ocupação russa nestas regiões. Estes desenvolvimentos, apesar de pouco notórios, são os sinais de aviso para aquele que sempre foi o objetivo do Kremlin: a restituição e reglorificação da União Soviética, derrubando o sonho da esmagadora maioria dos georgianos de integrar a União Europeia e na NATO.

Contudo, se há algo que marca a minha geração é a impaciente irreverência, mesmo que se sinta a contenção por parte da população mais idosa por receio de uma invasão russa. Por cá, continuamos a testemunhar os protestos junto do parlamento da Geórgia, na capital de Tbilisi, onde se sente na pele a tensão com os meios policiais mas sempre acompanhada de uma brisa de esperança e força na resistência à ode georgiana.

Advogada estagiária e mestranda em Direito do Trabalho