As expectativas não eram propriamente elevadas. J. D. Vance atravessou meses difíceis desde a sua nomeação, passando grande parte do tempo a defender-se de declarações controversas acerca do papel das mulheres na sociedade contemporânea, algumas das quais ressoavam a ideias do século XIX. Apresentou-se como um dos candidatos à vice-presidência mais impopulares de sempre e não poucos republicanos questionaram a escolha de Trump.

O seu adversário, Tim Walz, também não tinha perspectivas muito mais animadoras. Embora significativamente mais popular do que Vance (e talvez tenha sido isso que o salvou), demonstrou, em ocasiões anteriores anteriores, nervosismo devido à falta de experiência a este nível. Notícias indicavam que a cúpula democrata encarava este confronto com apreensão. Além disso, sendo um antigo professor e treinador de colégio, não é propriamente conhecido pela sofisticação ou familiaridade com os media nacionais, em contraste com Vance, formado em Yale, que fez fortuna em Silicon Valley e autor do best-seller Hillbilly Elegy, o que lhe conferiu fama nacional.

Embora os prognósticos fossem modestos, o debate revelou-se surpreendente em múltiplos aspetos: no conteúdo, na forma e, sobretudo, no tom. O que mais impressionou foi algo raro nos dias de hoje: civilidade e cordialidade.

Depois das acusações pessoais que ambos haviam trocado, seria de esperar que o passado militar de Walz ou o elitismo e estranheza de Vance fossem momentos relevantes. No entanto, ambos foram extraordinariamente afáveis, chegando a elogiar-se mutuamente e demonstrando um extremo cuidado nas palavras. Este tom, praticamente impensável desde 2016, acabou por favorecer ambos, que provaram ser possível discordar sem recorrer ao insulto. Neste contexto, porém, Vance saiu ligeiramente mais beneficiado, pois, sendo parceiro de Trump, um político notoriamente belicoso, a sua postura de contenção contrastou de forma positiva.

No que toca à forma, o senador do Ohio destacou-se. Ao longo de todo o debate, ficou evidente que se sentia mais à vontade no palco. A sua trajetória conferiu-lhe a bagagem necessária para enfrentar este desafio, e, ao contrário das críticas iniciais à sua escolha, Vance ofereceu uma prestação sólida, demonstrando que o movimento MAGA tem futuro para além de Trump. Na realidade, conseguiu articular as ideias do Partido Republicano com mais clareza e eficácia que o próprio líder. Dir-se-ia até que, se Trump fosse capaz de expressar-se da mesma forma, estaria numa posição bem mais favorável. Em contrapartida, Walz, visivelmente nervoso, teve um início desastroso, particularmente quando tentou justificar uma mentira sobre a China, numa situação embaraçosa que fez lembrar o desempenho de Joe Biden no debate de 27 de junho. Contudo, recuperou na segunda metade, terminando até bastante forte.

Em termos de conteúdo, este debate foi superior ao que temos visto. Os candidatos esforçaram-se por explicar as suas divergências políticas e o impacto que as suas propostas podem ter na vida dos americanos. A discussão decorreu de forma cordial, com tentativas de ambos os lados de encontrar pontos de entendimento.

Vance reconheceu que o Partido Republicano precisa de trabalhar melhor a questão do aborto, enquanto Walz defendeu uma política de imigração que se aproxima das posições republicanas. Ambos verbalizaram eficazmente as políticas dos respetivos líderes, mas Vance superiorizou-se pela eloquência e capacidade de argumentação. O candidato democrata perdeu algumas oportunidades para se diferenciar de forma clara e ganhar pontos em áreas relevantes, como no aborto ou na defesa do plano económico. Além disso, poderia ter puxado um tema que teria colocado Vance numa posição difícil, a guerra da Ucrânia. Daí considerar que, também no conteúdo, o candidato republicano esteve melhor.

Este confronto, no entanto, não deverá ter um grande impacto eleitoral. A história diz-nos que os debates entre vice-presidentes raramente movem o eleitorado e as sondagens realizadas indicaram um empate técnico, com ligeira vantagem para Vance. Ainda assim, esta foi uma vitória para o republicano, que se afirmou como uma figura central para o futuro do trumpismo. O movimento MAGA viu nele, um jovem político de 40 anos, um defensor convincente da sua visão para a América, o que constitui a sua mais importante e relevante vitória. A partir deste debate, será impossível ignorá-lo no futuro.

Especialista em política norte-americana