La defaite de l’Occident é o título do último livro de Emmanuel Todd, o profeta do fim da União Soviética. Segundo ele, é agora o Ocidente, arrastado pelo Império Americano em decadência, que se encaminha para o fim.
O tema da decadência apareceu na Europa do século XVIII a propósito do Império Romano. Em 1734, Charles Louis de Montesquieu escrevia Considérations sur les causes de la grandeur des Romains et de leur décadence, e entre 1776 e 1789, em Inglaterra, Edward Gibbon publicava os seis volumes de The History of the Decline and Fall of the Roman Empire.
O interesse por Roma, na Antiguidade, vinha da magia do grande espaço. Já o grego Políbio se perguntava como é que Roma conseguira estender em tão pouco tempo o seu domínio “a quase toda a terra habitada”. Políbio, naturalmente, só conhecia os tempos da ascensão – os da queda ficariam para os modernos.
À procura das “causas gerais que […] elevam, mantêm ou fazem cair um Estado”, Montesquieu tratou da fundação de Roma até às conquistas, do tempo de Sylla a Augusto, com a consolidação do Estado, do apogeu do Império, com Trajano, no século II, e por fim da decadência e da queda.
Ascensão e queda de Roma
A guerra começara por agradar ao povo de Roma por causa do saque, que era partilhado com os chefes. Para Montesquieu, pensador liberal, os antigos romanos tinham criado um sistema de equilíbrio dos poderes – com os cônsules, o Senado, os tribunos da plebe – que garantia uma combinação ideal entre autoridade e liberdade. Mas a expansão, as conquistas, tinham corrompido os cidadãos-soldados, que já não obedeciam à República mas aos seus generais, tornando Roma um lugar de guerras civis e pretorianismo. Os legionários deixavam de ser soldados da República para serem soldados “de Sylla, de Mário, de Pompeu ou de César”. E com estes chefes carismáticos e suas clientelas, a República entrava em decadência. Desapareciam as virtudes antigas e surgiam a cobiça, a arrogância, o apetite pelo ouro, a luxúria e a preguiça, proverbiais nos últimos imperadores da dinastia Júlio-Claudiana, a acabar em Nero.
Para Edward Gibbon (1737-1794), o declínio de Roma seria a consequência “natural e inevitável” de uma “grandeza descomedida”. O seu History of decline and fall of the Roman Empire foi um best-seller comentado e traduzido por toda a Europa. Entretanto, no clima intelectual do século das Luzes, os leitores aproximavam Gibbon do Montesquieu das Considéra- tions, mas criticavam-no por ver na cristianização do império uma das causas da decadência. O abade François de Feller chegou mesmo a denunciar o “ódio ao cristianismo” de Gibbon; e, em março de 1788, no Journal ecclésiastique, o abade Barruel saiu à liça, atacando ferozmente Gibbon como discípulo de Bayle, Rousseau e Voltaire.
Porém, o contributo mais significativo de Gibbon tinha sido apontar a queda como uma consequência da ascensão. Em 1789, no ano da Grande Revolução, alguém escrevia que, como todos os impérios, todas as construções humanas tinham o destino do próprio homem – a sua infância, a sua juventude, a sua maturidade, a sua velhice e a sua morte – e, assim, também Roma trazia na sua própria constituição política o princípio da sua destruição.
Nietzsche, o mais universal e lúcido pensador europeu do seu tempo, foi sensível ao tema da “décadence”, que escreveu em francês, e associou ao esgotamento (“Erschöpfung”) dos homens e das sociedades que sucedia à fase de excitação. Outro alemão, Oswald Spengler, no seu longo ensaio sobre a decadência do Ocidente, concluía que a racionalização e universalização dos valores do liberalismo e do tecnicismo só podia conduzir à morte irreversível ou à derrota do Ocidente.
À beira do abismo
É a partir destes antecedentes que devemos ler La Défaite de l’Occident, de Emmanuel Todd, – que foi praticamente o único a anunciar a queda da União Soviética em La Chute Finale: Essai sur la Décomposition de la Sphere Soviétique, de 1976. Em 2001, em Après l’Empire: essai sur la décomposition du systeme américain, Todd via nos Estados Unidos indícios de gastos sumptuosos, ou aquilo a que Thorstein Veblen chamava consumo conspícuo ou ostentatório. Para Todd, o envolvimento dos americanos em conflitos com Estados da dimensão da Coreia do Norte, Cuba ou Iraque, e a degradação dos “inimigos”, sempre descritos como “eixos do mal”, eram um (mau) sinal dos tempos. O profeta do declínio e queda da URSS aplicava o mesmo quadro crítico ao vencedor da Guerra Fria que, sob a arrogante inspiração dos utópicos neoconservadores, queria impor ao mundo, pela força, a ideia democrática.
Todd não escapou então a furiosas acusações de antiamericanismo. Fora um profeta feliz na Queda Final, mas o seu livro de 2001, Depois do Império, era já a visão pessimista de uns EUA dominados em política externa pelos neoconservadores. Começava logo por anunciar que a América estava a tornar-se “um problema” para um mundo que se habituara a vê-la como “solução”.
Desta vez, em La Défaite de l’Occident, o historiador francês vai mais longe, considerando que sem a superioridade económica, militar e cultural da Guerra Fria – com uma economia em crise, uma indústria de armamento em dificuldades e um poder cultural em queda -, a existência dos EUA como império está em causa.
Todd acrescenta mesmo que, com a obsessão inclusivista e a dependência da ideologia de género e da cultura do cancelamento, a administração norte-americana, já sem WASP, hostiliza as culturas muçulmanas, asiáticas, africanas ou mesmo centro e sul-americanas, que são patrilineares e conservadoras. E arrasta o Ocidente para a derrota. E isto perante uma Rússia que, independentemente do resto, parece ter feito um esforço coletivo para se apresentar como um baluarte autoritário dos valores conservadores.
Professor e historiador
Artigo publicado na edição do NOVO de sábado, dia 2 de março