Na década de 1930, o mundo marchava rapidamente em direção à guerra e a influência externa era já uma realidade nos Estados Unidos. Por um lado, agentes nazis encontravam-se particularmente ativos no terreno, financiando e coordenando atividades através de organizações de fachada norte-americanas, com o intuito de promover os interesses alemães. Por outro lado, agentes soviéticos, sob a égide de Estaline, também atuavam ativamente na disseminação do comunismo.

Com o objetivo de combater esta crescente ingerência externa, foi aprovado em 1938 o Foreign Agents Registration Act, com o propósito de trazer maior transparência às atividades de indivíduos ou entidades que operavam em nome de governos estrangeiros. Esta lei não proíbe a realização de atividades ou o lobbying em prol de interesses externos, mas exige que qualquer pessoa que represente tais interesses se registe junto do Departamento de Justiça dos Estados Unidos.

Foi ao abrigo desta legislação que, esta semana, veio a público um esquema russo destinado a influenciar as eleições norte-americanas. Há receios de que este episódio seja apenas a superfície de um iceberg muito mais vasto.

É do conhecimento público que várias figuras mediáticas norte-americanas têm defendido, de forma mais ou menos explícita, as posições russas relativamente à guerra na Ucrânia, sendo, em larga medida, apoiantes de Donald Trump.

Durante a recente Convenção Republicana, Tucker Carlson, figura próxima do filho de Trump, esteve no camarote presidencial, pouco tempo depois de ter visitado Moscovo, onde entrevistou Vladimir Putin e produziu reportagens elogiosas sobre a Rússia. Figuras do Congresso, como Marjorie Taylor Greene ou Matt Gaetz, têm advogado o fim do apoio norte-americano à Ucrânia. J.D. Vance, o atual candidato republicano à vice-presidência, declarou em março que o seu maior feito num ano de mandato no Senado foi contribuir para a alteração da perceção do seu partido sobre o conflito entre a Ucrânia e a Rússia. Isto depois de ter ajudado a bloquear, durante meses, a ajuda financeira ao país invadido por Putin.

Esta semana, o Departamento de Justiça iniciou um processo judicial que envolve acusações contra dois funcionários da organização russa RT, acusados de conspirar para enviar secretamente 10 milhões de dólares a um grupo mediático digital “independente”, com o objetivo de disseminar mensagens pró-Rússia nas redes sociais e influenciar as eleições norte-americanas. Além disso, foram apreendidos mais de trinta domínios de internet, operados pelo governo russo, que disseminavam propaganda disfarçada de sites noticiosos norte-americanos.

No início do verão, já havia sido identificado um “exército” de bots que propagavam, na rede social X, conteúdos favoráveis às posições republicanas. O processo agora revelado destaca também o uso de influenciadores norte-americanos, todos eles ligados à direita radical e ao movimento MAGA, que, alegadamente sem o saberem, partilhavam conteúdos associados ao governo russo, ocultando as suas verdadeiras origens. Personalidades como Benny Johnson ou Tim Pool, conhecidos influenciadores digitais próximos de Trump, alegaram desconhecer que estavam a colaborar com uma organização financiada pelo Kremlin, embora parte significativa dos conteúdos que produzem se alinhe com interesses anti-ucranianos e pró-Trump.

Embora esta situação não seja uma novidade, tudo indica que existe uma vasta operação russa com o objetivo de favorecer a eleição de Donald Trump. Nos últimos oito anos, o Partido Republicano sofreu uma transformação profunda, adotando uma postura muito mais simpática para com o Kremlin. Não creio, no entanto, que esta revelação venha a ter um impacto significativo no processo eleitoral em curso, pois há muito que o público norte-americano deixou de considerar a interferência estrangeira como uma ameaça grave à democracia dos Estados Unidos. Tal facto é, sem dúvida, preocupante, sendo também um reflexo do estado atual do país e das suas profundas divisões ideológicas.

Na próxima semana, realizar-se-á o debate presidencial entre Kamala Harris e Donald Trump e este, sim, poderá ser decisivo para o desfecho das eleições.

Especialista em política norte-americana