Fenómenos complexos exigem explicações complexas. É sempre de desconfiar quando o contexto é simplificado, porque isso implica uma de duas situações: ou o mensageiro não é isento ou não tem sequer legitimidade para ser mensageiro.

É insultuoso à verdade que se diga que a culpa da ascensão da extrema-direita recai única e exclusivamente no TikTok. É passar a responsabilidade à minha geração, quando os órgãos de comunicação social não só fomentaram diretamente a sua popularidade, como criaram (e continuam a criar) indiretamente as circunstâncias para a sua disseminação.

Fomentam-no diretamente porque o modelo de comunicação se baseia no alcance e nas reações. A instrumentalização do choque é extremamente eficaz em termos de engagement, mas tem um custo muito elevado. O “choque” fica descaracterizado e banal, como quem tenta replicar continuamente o primeiro efeito de uma droga psicotrópica – a procura é em vão e o choque tem de ser exponencialmente maior para continuar a surtir o mesmo efeito.

Ao início, lembro-me, começaram-se debates com “André Ventura, começo inevitavelmente por si”, ainda era o atual líder do Chega candidato do PSD à Câmara Municipal de Loures. O contínuo destaque desproporcional antecede o TikTok por uma questão de anos, não meses. Muito disto, aliás, também importa no fomento indireto através do tipo de programação disponibilizada, não pelo conteúdo em si. O exemplo maior disto são esta farsa de debates a que temos assistido, que, pela sua curta duração, beneficiam quem tem chavões, frases preparadas e maior capacidade de falar mais alto que o opositor.

O TikTok não é isento, daí que seja amplamente usado pelo Chega e seus simpatizantes para angariar suporte. A modernização das estratégias de comunicação política passa pelos chamados novos media, e isto é não é somente compreendido pelo Chega, já que Bloco de Esquerda ou Carlos Moedas também têm uma grande presença na plataforma.

A grande diferença entre os media tradicionais e o TikTok é que, no fundo, os órgãos de comunicação social generalistas não diferem amplamente uns dos outros. O algoritmo do TikTok, por outro lado, potencia a escolha personalizada do conteúdo a que queremos assistir. Se os jovens estão a assistir desproporcionalmente a conteúdo de extrema-direita, este teve de ser plantado. Se este conteúdo foi plantado, há que saber quem o regou.

Se a culpa do retorno da extrema-direita é da minha geração, então a culpa do desastre de Chernobyl é dos ucranianos e a culpa da II Guerra Mundial é dos soldados que nela lutaram.

A análise tem imperativamente de mudar de perspetiva: o TikTok é a consequência destas ações, não a ação que levou à consequência. O que os órgãos de comunicação social no fundo fizeram foi partir a perna ao adversário e ficar surpreendidos com o cartão vermelho. A areia que nos atiram para os olhos é a mesma com que construíram os seus telhados de vidro.

Mestrando em Ciência Política e Relações Internacionais