As últimas semanas foram marcadas por situações pouco edificantes da vida democrática. Os agentes políticos persistem no mesmo ritual de procedimentos. A avidez da luta por lugares de deputados mostra o que a política tem de pior. Muda-se de partido na última hora porque se perde o lugar no partido em que se militou durante décadas. A sofreguidão procura justificação em narrativas absurdas. 

O sistema político está envelhecido e dá sinais de desligamento da realidade social. Tarda o reconhecimento da necessidade de uma profunda reforma. São por demais evidentes os sinais de desajustamento entre o mundo dos partidos e a vida real. De nada servem os sinais presentes sob diversas formas de expressão: a abstenção, o alheamento progressivo dos cidadãos, o desinteresse e até mesmo a rejeição da política e dos políticos. A resistência à mudança prevalece indiferente à passagem do tempo e à sucessão de cada ciclo político. A transformação social em curso é clara e exprime-se na adesão crescente a fenómenos de populismo. A insatisfação social encontra respaldo na demagogia. Os jovens rejeitam, cada vez mais, os partidos tradicionais, desinteressando-se da vida política e da participação cívica. A emigração das gerações mais qualificadas torna o país menos dinâmico e mais acomodado a uma frustrante resignação coletiva. 

Nada disto parece, no entanto, despertar as consciências de muitos dos que se foram habituando a deter o poder através de grupos ou de agregados de interesses comuns. A tentação de controlo e de domínio do poder, ao longo do tempo, impede a renovação dos partidos e das instituições. Existe uma indiscutível fratura entre a realidade percecionada pelos cidadãos e a bolha em que vivem os agentes políticos. A alteração do quadro político tradicional vai prosseguindo, de forma consistente, conduzindo o país para um contexto de instabilidade de consequências imprevisíveis. Ao invés de encontrar soluções para os problemas concretos, das pessoas, a política tradicional alimenta jogos perigosos cuja consequência última poderá ser a implosão do próprio sistema de equilíbrios da democracia parlamentar. 

As manchas de corrupção, a fadiga ética do regime, a banalização das regras e a fragilidade reputacional das instituições estão a corroer a confiança. Podemos fazer de conta que o problema não existe e culpar os cidadãos pelas escolhas que fazem em cada momento. Isso não resolverá o problema de fundo da quebra de confiança. A dissimulação, o recurso recorrente a narrativas inconsistentes,
o dito pelo não dito, a falta de verdade e de transparência são os ingredientes que alimentam a destruição do regime. 

A confiança na política é um elemento fundamental para o funcionamento saudável de uma sociedade democrática. A confiança nos agentes políticos e nas instituições democráticas promove a estabilidade e a coesão social. A degradação da vida pública será tanto maior quanto maior for a descrença nas instituições e nos agentes políticos. A tensão crescente entre política e justiça tende a agravar este fosso que afasta e separa, cada vez mais, um maior número de cidadãos desse indispensável círculo de confiança. 

A caminho de eleições, temos pela frente um horizonte preenchido por nuvens escuras de incerteza e de insegurança. Estamos a caminhar em direção a algo que sabemos ser diferente, mas não sentimos segurança no ponto de chegada. Esse será talvez, neste momento, o maior e mais intrigante desafio que o país tem pela frente.

Professor universitário
a.camposfernandes@outlook.com

Artigo publicado na edição do NOVO de 27 de janeiro