As comemorações dos 50 anos do 25 de Abril reabriram a polémica sobre o 25 de Novembro, com a esquerda e a direita divididas sobre a importância a dar à data que marcou o fim do PREC, mas, mesmo dentro do PS, o tema não é pacífico. António Campos, fundador do Partido Socialista, contesta a posição assumida pela direção e fala em “traição à história” do partido.
“É um património do PS que hoje está a ser negado publicamente”, diz ao NOVO o histórico socialista, lembrando que “o avanço da extrema-esquerda colocou em causa tudo o que tinha sido conquistado no 25 de Abril” e “só conseguimos verdadeiramente a liberdade” com o fim do PREC (Período Revolucionário em Curso).
“A liberdade foi-nos sonegada a partir do 11 de Março. Quase que tivemos de entrar, outra vez, na clandestinidade”, relata Campos, que participou ativamente nos acontecimentos do PREC, repetindo que esta data é “um património inestimável” do partido e está “a ser assumida pela direita por culpa do PS, que não assume a sua responsabilidade histórica”. É uma “traição brutal à história do PS”, conclui.
A polémica sobre o 25 de Novembro renasceu depois de o presidente do Parlamento ter deixado a data fora das comemorações dos 50 anos do 25 de Abril. PSD, Chega e IL contestaram a decisão de Santos Silva, mas o PS recusa alinhar com comemorações que causam divisões. “Se for celebrada como uma data importantíssima na construção da democracia portuguesa, que inclui todos e também aqueles que estão à esquerda do PS, o Partido Socialista participa. Se for uma data para dividir, não contem connosco”, disse Eurico Brilhante Dias, no dia 5 de outubro, depois de Carlos Moedas anunciar que a data iria ser assinalada pela Câmara de Lisboa.
A posição da direção do PS está longe de ser pacífica e alguns socialistas têm manifestado isso mesmo. Ana Gomes, em declarações à TSF, defendeu que “não é possível escamotear o 25 de Novembro e o PS devia ter orgulho no papel absolutamente decisivo que teve a nível político”. Daniel Adrião, da Comissão Política Nacional, também critica aquilo que classifica como “uma tentativa de revisionismo histórico”. O dirigente socialista, em declarações ao NOVO, lamenta a falta de “memória histórica” e aponta o dedo à “ala esquerda do PS com complexos de esquerda”. Na mesma linha, Rómulo Machado, militante desde 1974 e antigo membro da Comissão Nacional, num artigo no Observador, defendeu que “renegar o 25 de Novembro ou tentar apagar a sua importância histórica, além de uma traição à história do PS, é um péssimo serviço prestado ao país”.
Parlamento dividido
A decisão de excluir o 25 de Novembro das comemorações dos 50 anos do 25 de Abril e da Constituição foi justificada por Augusto Santos Silva por não ser uma data consensual.
O presidente da Assembleia da República garantiu, no início deste mês, que na comissão organizadora, onde estão representados todos os partidos com assento parlamentar, ficou decidido que só entrariam no programa “as datas e os eventos que tivessem uma leitura consensual”.
Mas PSD, Iniciativa Liberal e Chega responsabilizam Augusto Santos Silva, que acusam de querer “reescrever a História”.
Miranda Sarmento garantiu que “é uma decisão do presidente da Assembleia da República, exclusiva, que entendeu que deveria excluir o 25 de Novembro” das comemorações. “Choca-nos que o senhor presidente da Assembleia da República não queira comemorar o 25 de Novembro, talvez com receio de irritar antigos parceiros de geringonça.”
A Iniciativa Liberal, que habitualmente celebra a data com uma iniciativa própria, vai mais longe e vê nesta decisão “uma tremenda cobardia política, um deplorável oportunismo e uma enorme hipocrisia”.
O Chega já prometeu organizar uma manifestação junto ao Parlamento no cinquentenário do 25 de Novembro, em 2025. E quer já este ano promover uma sessão solene, na Sala do Senado da Assembleia da República, para a qual serão convidados “todos os partidos que se queiram juntar”.
O CDS, que desde cedo celebra a data, não encontra nenhum motivo para que as duas datas não sejam comemoradas. “É uma questão de memória história e até de gratidão, porque o 25 de Abril trouxe uma mudança de regime, mas foi o 25 de Novembro que instaurou o regime democrático. Se queremos celebrar a democracia, não se pode mutilar a data que lhe dá mais sentido”, diz ao NOVO Nuno Melo, estranhando que “o Partido Socialista, um protagonista muito relevante no 25 de Novembro, se envergonhe hoje da data”.
O presidente do CDS lembra que “Partido Socialista, PSD e CDS foram os partidos que, sem equívocos, estiveram com o 25 de Novembro, contra a tentativa de instaurar um regime totalitário de extrema-esquerda em Portugal”.
O muro de António Costa
O politólogo José Palmeira considera que a polémica à volta dos 50 anos do 25 de Abril está relacionada com “a conjuntura que atravessamos”, nomeadamente com a criação da geringonça, em 2015, que pela primeira vez permitiu acordos entre o Partido Socialista e os partidos à sua esquerda.
“Esta polémica é recuperada porque cria problemas ao PS, que está dividido nesta questão. Para o PS, o 25 de Novembro é levantar o muro que António Costa deitou abaixo ao fazer um acordo com o PCP e o Bloco”, diz ao NOVO José Palmeira, referindo-se à afirmação feita pelo agora primeiro-ministro, em 2015, de que o acordo com comunistas e bloquistas correspondia “a deitar abaixo o resto do Muro de Berlim”.
“Desenterrar” este assunto quase 50 anos depois faz parte da estratégia dos partidos de centro-direita para “dividir” os antigos parceiros da geringonça e colocar “os partidos de extrema-esquerda no mesmo cesto do Chega”, diz o professor de Ciência Política da Universidade do Minho. “Quando Carlos Moedas, no discurso do 5 de Outubro, fala em assinalar o 25 de Novembro, está a criar um problema ao PS porque está a levantar um muro entre o Partido Socialista e os partidos à sua esquerda”, conclui o professor universitário.
Moedas avança com comemorações já este ano
O presidente da Câmara de Lisboa anunciou que vai comemorar, já este ano, o 25 de Novembro, mesmo depois de a oposição ter aprovado um voto de condenação, apresentado pelo PCP, contra as celebrações. Carlos Moedas anunciou, após a polémica no Parlamento, a realização de “uma grande iniciativa” em Lisboa para celebrar a data que marcou o fim do PREC.
Numa entrevista à SIC, o autarca social-democrata confirmou que as comemorações vão avançar e defendeu que “a esquerda está a radicalizar-se e a esquerda moderada do Partido Socialista está a deixar-se levar pela extrema-esquerda”. Isto “não é contra o 25 de Abril. Não é de direita nem de esquerda. É a democracia”, afirmou o presidente da Câmara de Lisboa, revelando que tenciona “homenagear, já em 2024, os dois militares que foram mortos a tiro nessa altura”.