24 de abril de 2024. O mundo lá fora grita enquanto pego na caneta e no papel. Olho para o relógio, são 23h45. Faltam 15 minutos. Meto-me a escrever.

Uiva o vento e ladram os cães. Ventos de mudança não poderão ser com certeza, e os cães não sei de quem são – vivo numa torre de marfim e hoje está a ser exatamente igual a ontem. Ontem não escrevi, mas não importa; acordei na mesma, comi na mesma, ri na mesma, dormi na mesma, levado à toa pela impaciência do tempo que tanto e nada muda.

A porta do meu quarto está fechada, mas não tenho medo que me entrem por aqui adentro. Não estou a escrever nada de mal, e mesmo se estivesse (!), não tenho medo. Pelo menos não disso. A minha clausura provém da minha capacidade constitucional de fazer o que bem me apetece, e a minha liberdade são os meus pensamentos, como sempre foram. As minhas ações vêm por acréscimo.

Dá que pensar. Não estamos lá muito habituados a liberdade – ela costumava ser a nossa imaginação, e todas as clausuras tinham o seu grau de revolta. O que é certo é que, se hoje escrevo à luz da lâmpada que tenho por cima da escrivaninha, é porque antigamente se escrevia sem luz, mas nunca às escuras.

Enfim. Não tenho grandes planos para amanhã. Há 600 canais de televisão para ver, n músicas para ouvir, livros para ler. Entretanto vi o relógio, já passa da meia noite. 25 de abril de 2024. Estranho… nada me parece diferente. O mundo lá fora continua a gritar, a porta do meu quarto continua fechada e eu continuo aqui dentro.

Ainda bem que nada está diferente. De qualquer das formas, pouco me importa se ouvi ou não as doze badaladas. Para todos os efeitos, minutos não costumam entrar nos livros de história. O que importa realmente é o quão diferente tudo está desde que a liberdade é mundana. Eu quero ser livre, mas não sou livre porque quis. Se todos os dias são liberdade, são por este.

Se algum dia o vento for de mudança, saberei exatamente de quem são os cães. Deixarei a minha torre de marfim; acordarei, comerei, dormirei na mesma. Não irei sorrir. A porta do meu quarto permanecerá fechada, e a minha clausura fruto da circunstância. Se esse dia chegar, escreverei sem luz, mas nunca às escuras.

Mestrando em Ciência Política e Relações Internacionais