A retirada de Matt Gaetz da consideração para o cargo de procurador-Geral dos Estados Unidos e a subsequente nomeação de Pam Bondi já dão indícios do que poderá ser o mandato de Donald Trump: controverso e instável. Após uma vitória categórica nas eleições contra Kamala Harris, o republicano procurou capitalizar o momentum político ao nomear apoiantes leais e polémicos para cargos de destaque.

Convencido de que o Partido Republicano não teria alternativa senão abrir-lhe caminho no Senado para confirmar todas as suas escolhas, Trump terá cometido o seu primeiro erro de cálculo: apesar de o GOP controlar os principais centros de poder, o sistema político norte-americano mantém os seus mecanismos de freios e contrapesos operacionais. Com 53 senadores republicanos, Trump pode perder apenas três votos para garantir a confirmação dos membros da sua administração, assumindo que os democratas votem unanimemente contra os nomes mais polémicos. Esta foi a primeira baixa, mas certamente não será a última.

As garantias constitucionais continuam a impor limites ao exercício do poder, frustrando qualquer aspiração de Trump de governar de forma autoritária, à imagem dos líderes que frequentemente elogia.

Entretanto, o recém-anunciado Departamento da Eficiência Governamental (DOGE), liderado por Elon Musk e Vivek Ramaswamy, tem como objetivo implementar cortes drásticos na despesa federal. Inicialmente, falaram na ordem de dois biliões de dólares anuais, e mais recentemente já reduziram esse valor para 500 mil milhões de dólares. No entanto, este esforço enfrenta obstáculos significativos.

Apesar do nome ambicioso, o DOGE será apenas um órgão consultivo, sem poderes executivos, trabalhando com o Gabinete de Gestão e Orçamento da Casa Branca e com um subcomité da Câmara dos Representantes, que será liderado pela polémica Marjorie Taylor Greene. As propostas de cortes, que representariam nas primeiras propostas cerca de 31% do orçamento federal, revelam-se irrealistas, uma vez que metade do orçamento federal é destinada ao Medicare e ao Medicaid, áreas onde reduções são politicamente inviáveis. Além disso, os cortes mais reduzidos não compensam sequer os já anunciados cortes de impostos, o que irá agravar ainda mais o défice, algo que os milionários dizem querer controlar. Musk e Ramaswamy descobrirão rapidamente que um governo não é uma empresa e que medidas de austeridade tão drásticas são incompatíveis com a complexidade administrativa federal dos Estados Unidos.

No campo da imigração, o cenário não é menos problemático. Trump anunciou planos para deportar milhões de imigrantes, incluindo centenas de milhares que entraram legalmente no país, mas que não possuem asilo aprovado ou outro estatuto regular. A prioridade inicial será deportar indivíduos considerados uma ameaça à segurança nacional, como homens chineses de “idade militar” e imigrantes com antecedentes criminais.

Contudo, a implementação enfrenta desafios legais significativos, especialmente se os países de origem recusarem receber os deportados. Nesse caso, Trump poderá recorrer à transferência para países terceiros, como fez no final do seu primeiro mandato, mas nunca será um processo fácil, sobretudo se forem às centenas de milhares. Os programas da administração Biden que facilitaram vias legais de imigração, demonstrando eficácia na redução das entradas ilegais, serão revogados por Trump, o que poderá gerar forte resistência legal e oposição por parte de grupos de defesa dos imigrantes. Além disso, o anunciado envolvimento do exército nestes planos enfrentará também oposição, pois é de legalidade duvidosa.

Governar exige contenção, disciplina e rigor, características que Trump já demonstrou não possuir. A sua administração, composta sobretudo por personalidades de orientação ideológica acirrada, mas com pouca experiência governativa, enfrentará inevitavelmente batalhas políticas, judiciais e operacionais que poderão comprometer a sua eficácia. Após ultrapassar as dificuldades no processo de confirmação no Senado, a administração Trump enfrentará um panorama repleto de desafios, agravados pelo radicalismo das suas propostas.

Apesar da momentânea desorganização do Partido Democrata, que enfrenta divisões internas após a derrota de Kamala Harris, a história sugere-nos que a oposição ao trumpismo se reorganizará rapidamente, posicionando-se para as eleições intercalares de 2026. Trump terá dois anos para concretizar as suas promessas transformadoras. Conseguirá atingir os seus objetivos? Não sei a resposta, mas o caminho será certamente atribulado e, ao mesmo tempo, interessante de seguir e analisar.

Especialista em política norte-americana