A água é um recurso essencial para o desenvolvimento socioeconómico, sendo um fator estruturante e estratégico a nível nacional. Assim, garantir a qualidade da água destinada ao consumo humano é vital para a saúde pública e para o bem-estar das populações, sendo imprescindível assegurar tanto a qualidade como a continuidade do serviço público de abastecimento de água.
De acordo com o último Relatório Anual dos Serviços de Águas e Resíduos em Portugal (RASARP) 2024, é possível verificar que o setor do abastecimento público de água em Portugal continental tem registado uma evolução muito positiva nos níveis da qualidade da água fornecida na torneira dos consumidores, podendo-se hoje assegurar que 99% da água controlada é de boa qualidade. Se compararmos com o ano 1993, este indicador encontrava-se apenas nos 50%. Compete à Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos (ERSAR) a coordenação e fiscalização da aplicação do regime legal aplicável e ainda a elaboração anual de um relatório que sintetiza a informação mais relevante relativa à qualidade da água para consumo humano, reportada pelas entidades gestoras dos sistemas de abastecimento público.
É o indicador da água segura que reflete o cumprimento dos requisitos da qualidade da água, sendo que, em 2023, Portugal manteve o nível de 99% de água segura na torneira do consumidor, confirmando a tendência, pelo nono ano consecutivo, de manutenção deste indicador no valor de 99%, atingido desde 2015 e refletindo o nível de excelência na qualidade da água para consumo humano.
Não obstante, se olharmos para o número de incumprimentos dos valores paramétricos detetados nas análises realizadas na torneira do consumidor em 2023, verificamos um ligeiro aumento, face ao ano 2022. É nos concelhos com menos habitantes, até cinco mil, que se verifica a maior percentagem de incumprimentos, 87%, contrariamente aos concelhos com mais de 50 mil habitantes, onde ocorreram apenas 5,01% dos incumprimentos em 2023. Este facto poderá estar relacionado com os meios financeiros, técnicos e humanos que são geralmente inferiores nos concelhos de menor dimensão, o que resulta num desempenho inferior, quando comparado com os concelhos de grande dimensão.
Importa ainda salientar que existem inúmeros fatores alheios às entidades gestoras, muitos deles da responsabilidade do consumidor, que poderão estar na origem de alguns incumprimentos, como sejam os materiais utilizados, o estado de conservação, a manutenção e a limpeza da rede predial do consumidor. É, portanto, essencial a existência de uma maior sensibilização do consumidor, com vista à promoção não só das questões relacionadas com a garantia da qualidade da água, através da integridade das redes prediais, como também da mitigação da iliteracia relacionada com o consumo de água da torneira que, em muitos casos, ainda não é vista como segura pelo consumidor.
A região do Algarve é um exemplo onde essa iliteracia ainda é evidente, muito devido a um passado, não muito longínquo, onde, de facto, a água não era própria para consumo humano, dada a sua origem e tratamento, então distintos da realidade atual.
Atualmente, analisando os dados mais recentes relativos à qualidade da água na região do Algarve, é possível constatar que o nível de água segura é de 99,38%, verificando-se um nível de excelência na qualidade da água na torneira do consumidor. Importa ainda referir que existem dois concelhos onde foi registado um indicador de água segura de 100%, e apenas dois concelhos apresentam um indicador inferior a 99%, ou seja, onde o nível de excelência ainda não foi atingido. Já no que diz respeito ao cumprimento da realização das análises, verifica-se que apenas uma entidade gestora não garantiu 100% do cumprimento das mesmas, revelando potencial de melhoria.
De facto, é meritório o caminho percorrido nos últimos anos, no que diz respeito à qualidade da água para consumo humano, que se tem mantido consolidada no patamar da excelência. No entanto, tal nível acarreta uma elevada exigência ao setor, para garantir os atuais padrões, num tema que, por vezes, é desvalorizado e tomado por garantido, mas que continua a ser alvo de uma grande assimetria, se olharmos ao contexto mundial.
Na minha opinião, é de facto imprescindível uma aposta na comunicação e na sensibilização dos consumidores, com vista à disseminação da informação referente aos elevados padrões de qualidade da água e ainda ao incentivo do consumo de água da torneira.
Importa ainda destacar que, para manter o setor no atual nível de excelência, é essencial promover uma maior profissionalização nos serviços de abastecimento público, uma questão que está claramente aquém das atuais necessidades.
Este artigo apenas expressa a opinião do seu autor, não representando a posição das entidades com que colabora. Os dados apresentados provêm do Relatório Anual dos Serviços de Águas e Resíduos em Portugal 2024 da Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos