As doenças cardiovasculares continuam a ser a principal causa de morte em Portugal. Como cardiologista, enfrento diariamente o desafio de diagnosticar e tratar estas patologias de forma rápida e precisa. A introdução da inteligência artificial (IA) na nossa prática clínica tem-se traduzido numa verdadeira revolução, pelo que é importante partilhar o que já está a ser feito e o que ainda falta fazer com a IA na Cardiologia.
A IA e as técnicas de machine learning (aprendizagem automática) já estão nas nossas vidas há muito tempo, mesmo sem nos darmos conta. Na Medicina e na Cardiologia, em Portugal, a revolução já está a acontecer. Temos várias técnicas de IA utilizadas em imagem cardíaca – na ecografia, TAC, ressonância magnética – para medir o volume e o tamanho do coração, a função cardíaca, entre outros.
Há cerca de 5 anos, a medição do tamanho e da função do coração era uma tarefa mecânica, pouco clínica, e que de humana já pouco tinha. Hoje, com a IA, esta mesma tarefa demora menos de metade do tempo e é feita em segundos. Não só poupamos tempo, como também reduzimos o cansaço associado a tarefas repetitivas, permitindo-nos focar no que realmente importa: o doente.
Este processo de “medir o coração”, além de meticuloso, estava também sujeito a variabilidade humana significativa. Além da eficiência, a IA trouxe uma precisão sem precedentes: as medições tornaram-se mais consistentes, reduzindo erros e aumentando a confiança nos diagnósticos. Esta precisão é crucial, quando decisões terapêuticas importantes dependem de pequenas variações nos resultados dos exames. Decisões como implantar (ou não) um cardioversor-desfibrilhador ou suspender a quimioterapia (que, por vezes, pode agravar a função cardíaca) são agora tomadas de forma bem mais consistente e com maior confiança.
Estas ferramentas de IA permitem ainda integrar uma grande quantidade de dados (big data) clínicos e de imagem, fornecendo padrões de risco e prognósticos altamente personalizados para cada doente. Cada vez mais avançamos para uma Medicina Personalizada. Em vez de seguirmos abordagens genéricas, conseguimos adaptar os tratamentos às necessidades específicas de cada pessoa, otimizando recursos e potencializando os resultados clínicos.
Mas ainda existe um longo caminho pela frente. A IA não acerta sempre e, muitas vezes, comete erros que, do ponto de vista humano, nunca fariam sentido. Como tal, estas ferramentas não devem ser utilizadas como autómatos, sem qualquer controlo de qualidade, mas sim como ferramentas de apoio ao cardiologista, facilitando o seu trabalho.
Enfrentamos ainda outros desafios: nem todos os centros têm acesso a estas tecnologias avançadas, criando desigualdades nos cuidados prestados à população. Embora existam poucos estudos (e de pequena dimensão) sobre o padrão de utilização destas ferramentas pelos médicos, de uma forma geral, apenas 10 a 20% dos cardiologistas parecem ter alguma forma de contacto com IA.
Além disso, a diversidade de softwares e algoritmos dificulta a padronização dos procedimentos e a comparação de resultados.
É necessário estabelecer diretrizes claras e promover a formação contínua, para garantir que a IA seja utilizada de forma segura e eficaz, em benefício de todos os doentes. A IA é uma ferramenta de apoio, não um substituto do médico. A interação humana continua a ser insubstituível, especialmente na interpretação de resultados e no contacto direto com o doente.
Pessoalmente, sinto-me privilegiado por testemunhar e participar nesta revolução. Temos agora a capacidade de poupar tempo, otimizar recursos e, mais importante ainda, melhorar significativamente a vida das pessoas.