A corrida eleitoral permanece muito disputada, e as sondagens sugerem um empate técnico, possivelmente com uma ligeira vantagem para Kamala Harris. Este cenário mantém-se inalterado há várias semanas, desde que a candidata democrata assumiu a liderança nas sondagens nacionais. Contudo, o panorama político atual apresenta-se extremamente favorável ao Partido Republicano.
A Gallup divulgou um conjunto de indicadores tradicionalmente determinantes para prever o vencedor de um ciclo eleitoral, os quais, sem surpresa, indicam que o Partido Republicano deveria estar a dominar esta eleição com relativa facilidade. Entre os dez fatores analisados, oito favorecem amplamente as ambições republicanas, destacando-se a identificação partidária, a perceção do partido como o mais capacitado para lidar com a questão prioritária dos eleitores – a economia –, assim como outras áreas de interesse mais global, como a satisfação com o rumo do país, a confiança económica ou a capacidade de manter a prosperidade nos Estados Unidos. Além disso, outros fatores também jogam a favor de Donald Trump, nomeadamente o facto de ter sobrevivido a duas tentativas de assassinato – uma delas transmitida em direto na televisão – e o arranjo atual do colégio eleitoral, que favorece o Partido Republicano. Um outro candidato, em tais condições, já poderia ter consolidado uma vantagem expressiva sobre Kamala Harris, mas as sondagens revelam outras razões para esta acirrada disputa.
Uma sondagem recente da NBC, que desenvolveu uma análise qualitativa sobre a perceção dos americanos em diversos temas, oferece várias pistas para entender esta contenda. Em primeiro lugar, constata-se um contraste marcante entre os dois candidatos. Enquanto Kamala Harris possui um índice de aprovação favorável de 48-45, Donald Trump enfrenta uma avaliação negativa de 13 pontos percentuais, com um registo de 40-53. No que concerne aos candidatos a vice-presidente, J.D. Vance também se encontra em terreno desfavorável, com uma margem de 32-45, enquanto Tim Walz desfruta de uma posição mais confortável, com 40-33. Embora haja espaço para ambos os candidatos crescerem, dada a significativa percentagem de eleitores que não se manifesta, é evidente que, apesar do clima político favorável aos republicanos, a impopularidade da dupla Trump-Vance tem beneficiado as aspirações de Harris e Walz. Talvez o debate da próxima semana possa provocar alterações nestes números.
Para além destes índices de popularidade, há outro fator que complica a campanha republicana: a incontinência verbal e indisciplina de Donald Trump. Bastaria que o ex-presidente se focasse nos principais temas desta campanha, como a economia e a imigração, para tirar partido da onda de descontentamento que paira sobre o eleitorado. No entanto, a sua tendência para se desviar em discursos insultuosos e temas irrelevantes, tem permitido à campanha de Kamala Harris, organizada e disciplinada, manter-se competitiva.
Por fim, um tema que Kamala Harris já trouxe à baila e que tem um impacto negativo considerável entre os eleitores é o “Project 2025“. Este plano, elaborado pela Heritage Foundation e por aliados de Trump, propõe uma reformulação profunda da administração federal, consolidando o poder executivo caso o Partido Republicano vença a eleição. Entre os 61% dos americanos que conhecem ou ouviram falar do projeto, apenas 4% têm uma opinião favorável, enquanto 57% o consideram prejudicial ao país. É um tema que, certamente, será mais explorado pelos democratas durante o tempo que falta desta campanha.
Em suma, esta eleição, que não deveria ser tão renhida, mantém-se disputada essencialmente pela personalidade divisiva de Donald Trump. No entanto, como ficou demonstrado nas primárias, o ex-presidente conta com o apoio inabalável da base conservadora americana, o que tornou impossível que outro candidato pudesse alcançar a nomeação.
Especialista em política norte-americana