O desempenho de Kamala Harris no recente debate presidencial surpreendeu muitos e consolidou a sua posição nesta corrida eleitoral. Todas as sondagens realizadas entre os telespetadores atribuíram uma vitória confortável à candidata democrata e diversos republicanos simpatizantes de Trump reconheceram que este não foi um bom debate para o ex-presidente.

A questão fundamental agora é saber se esse desempenho terá um impacto real na corrida eleitoral ou se, pelo contrário, não alterará significativamente o cenário. Historicamente, os debates presidenciais raramente têm um impacto decisivo nas eleições, mas estas não são umas eleições comuns. Além disso, basta recuarmos até junho para identificarmos um confronto decisivo que acabou por contribuir para o afastamento da corrida de Joe Biden.

James Carville, o lendário estratega democrata de Bill Clinton, tinha alertado, antes do debate, que Trump estava a cometer um erro ao aceitar debater com Kamala, considerando que estava a cair numa armadilha. O aviso de Carville acabou por concretizar-se.

A forma como Kamala Harris dominou o debate do início ao fim e saiu vitoriosa em praticamente todos os temas foi surpreendente, particularmente em áreas como a imigração e a economia, onde Trump possui uma vantagem considerável na opinião pública. Além disso, conforme Carville previu, Kamala preparou-se exaustivamente para este debate, ao longo de vários dias, e, a este nível, o estudo, o treino e até a memorização de linhas de ataque são cruciais. Enquanto Kamala contou com o apoio dos melhores especialistas, incluindo vários antigos colaboradores de Trump, o ex-presidente pouco se preparou, optando por gastar o seu tempo com conspiracionistas de extrema-direita, como Laura Loomer ou o congressista Matt Gaetz, que não têm entendimento das dinâmicas eleitorais e da comunicação política.

Para além dos vários momentos lamentáveis protagonizados por Trump – como a absurda teoria dos gatos e cães de Springfield, a incapacidade de afirmar o seu desejo pela vitória da Ucrânia contra a Rússia ou as suas dificuldades em evitar as previsíveis armadilhas colocadas por Kamala –, não conseguiu focar-se nas críticas políticas nem denunciar, de forma eficaz, as várias fragilidades da sua oponente.

No final, vários sinais apontaram para a derrota de Trump, para além das sondagens já mencionadas. Desde logo, o próprio Trump sentiu necessidade de dirigir-se aos jornalistas para tentar minimizar o impacto do debate. Adicionalmente, no dia seguinte, tanto ele como os seus apoiantes atacaram violentamente os moderadores e a ABC, alegando um tratamento parcial durante a condução do debate.

Observando atentamente os meios de comunicação conservadores, percebe-se claramente que o debate não correu bem para Trump, sendo até evidente uma perplexidade face ao comportamento desastroso do candidato. Talvez por isso, os republicanos tenham recusado a proposta de Kamala para um novo debate, reconhecendo que, neste momento, Trump não dispõe da disciplina, astúcia intelectual ou conhecimento necessários para voltar a debater. Talvez esta seja a estratégia correta, em linha com o sábio conselho de James Carville.

As primeiras sondagens divulgadas nos dias seguintes ao debate indicam um crescimento de dois a três pontos percentuais de Kamala Harris, o que poderá representar um impulso significativo para a candidata democrata. Com tão poucos eleitores indecisos nesta fase da campanha – as sondagens anteriores ao debate apontavam para apenas 5% de indecisos – e, considerando apenas os estados em disputa, estamos a falar de menos de 1% dos eleitores em estados como Michigan, Wisconsin, Pensilvânia, Carolina do Norte, Arizona, Geórgia e Nevada. Se, com o debate, Kamala conseguiu convencer decisivamente alguns desses eleitores a votarem nela, então a 6 de novembro poderemos concluir que este debate foi de facto determinante. Frank Luntz, especialista republicano em sondagens, chegou mesmo a afirmar que acredita que Kamala venceu as eleições neste debate.

De uma perspetiva mais cautelosa, é difícil corroborar a afirmação de Luntz ou, pelo menos, ser tão determinista. Apesar de todas as controvérsias em torno de Donald Trump, desde as suas declarações polémicas às más prestações em debates, o seu apoio eleitoral tem-se mantido relativamente estável. A vantagem atual de Kamala parece, por vezes, precária e instável. Nem é necessário recordar os ciclos eleitorais de 2016 e 2020, em que as sondagens revelaram um enviesamento significativo contra Trump. Ou ainda que o colégio eleitoral favorece tradicionalmente os republicanos, exigindo que os democratas vençam por mais de três pontos percentuais para garantir a eleição. Contudo, neste momento, os ventos parecem soprar a favor de Kamala. E faltam menos de dois meses para as eleições.

Especialista em política norte-americana