O contraste entre Kamala Harris e Donald Trump começou logo na apresentação: “Vamos fazer um bom debate”, pediu a candidata democrata para o frente-a-frente com o republicano, cuja estratégia envolvia inferiorizá-la.

Depois de ter alcançado, no anterior debate presidencial com Joe Biden, uma vitória clara que acabou por levar os democratas a substitui-lo por Kamala Harris, Trump esforçou-se, na terça-feira e quase desde início do frente-a-frente, por não só colar a rival às “políticas falhadas” da atual administração, mas por subalternizá-la dentro desta.

“O patrão dela”, foi como Trump se referiu por diversas vezes a Biden, “o pior presidente da história” dos Estados Unidos, obrigando Harris a interpelá-lo: “É importante recordar o ex-presidente de que não está a concorrer contra Joe Biden, está a concorrer contra mim”.

Embora tenha defendido muitas das políticas da atual administração, Harris procurou falar sobretudo dos planos para o futuro – cortes fiscais para apoiar famílias e pequenas empresas, apoio à construção de habitação para baixar os custos do imobiliário, entre outros – e assim oferecer um contraste em relação ao que seria “voltar ao passado” de Trump.

“Não vamos voltar para trás”, exclamou a candidata democrata, numa frase que se tornou numa assinatura da campanha.

Para Harris, que as sondagens demonstraram ser muito menos conhecida do que Trump, o desafio neste debate era dar-se a conhecer de modo favorável e, na declaração de encerramento, fez questão de dizer que, ao longo da carreira, o único “patrão” foi “o povo” primeiro como procuradora, depois como senadora e agora como vice-presidente.

Procurando explorar a seu favor o desconhecimento de Harris, que foi uma discreta vice-presidente, Trump rotulou-a de “marxista” e de querer copiar políticas de Biden.

Tendo também como desafio contrastar o seu desempenho com o de Biden no anterior debate, Harris mostrou-se agressiva nas intervenções e atenta e reativa durante as de Trump.

Ciente de que a televisão muitas vezes mostra os candidatos em ecrã dividido, a democrata aproveitou a oportunidade para abanar a cabeça em desacordo quando Trump falava, para levantar as sobrancelhas em surpresa ou para semicerrar os olhos, simulando tentar acompanhar a argumentação, por vezes confusa, do magnata.

Já Trump manteve-se sobretudo impassível e, em algumas ocasiões, sorriu sarcasticamente e continuou os ataques, mesmo quando os microfones foram silenciados, conforme testemunhou um pequeno grupo de repórteres, autorizado a permanecer no local.

À medida que o debate foi avançando, Trump mostrou-se mais agitado na resposta às provocações da adversária e na repetição de uma série de falsas afirmações: 33 contra uma de Harris, numa contagem do canal de televisão CNN.

Trump foi também desmentido em direto pelo moderador David Muir, depois de alegar que imigrantes ilegais estavam a comer animais de estimação. Muir protagonizou também um dos momentos de maior fragilidade de Trump durante o debate, quando o confrontou com afirmações recentes de que perdeu as eleições “por um triz”, quando no passado o ex-presidente sempre rejeitou a derrota em 2020.

Donald Trump alegou que aquela referência “foi sarcástica” e reiterou não ter perdido as eleições, mesmo depois de todos os processos por fraude eleitoral que os republicanos apresentaram em vários estados terem sido rejeitados por falta de provas.

As atribulações do passado recente norte-americano emergiram em relação às eleições e ao assalto ao Capitólio, por apoiantes de Trump, com a candidata democrata a alternar a responsabilização do ex-presidente com uma mensagem de “virar a página” e de confiança no futuro.

Subindo o tom, Trump aproveitou para responsabilizar os democratas pela tentativa de homicídio de que foi alvo em julho, ao defender ter sido a retórica de Harris e de outros democratas a alimentar o ataque.

“Provavelmente levei um tiro na cabeça por causa das coisas que dizem sobre mim”, disse Trump, em resposta à alegação de Harris de que o republicano usaria o Departamento de Justiça como arma contra os inimigos políticos se fosse eleito.

Esforçando-se sempre por traçar contrastes, Harris apresentou-se como preocupada em dar resposta aos problemas dos norte-americanos, perante um Trump focado em problemas pessoais.

“Não irá ouvi-me falar dos seus problemas”, disse a candidata democrata, que também procurou colar Trump ao passado. “Eu ofereço uma nova geração de líderes para o nosso país”, proclamou.

Transmitido pela ABC News, o debate decorreu no National Constitution Center, em Filadélfia, e foi regido pelas mesmas regras ditadas para o histórico debate de junho entre Trump e Biden, que acabou por desistir da corrida após um fraco desempenho nesse confronto.

Os jornalistas da ABC News David Muir e Linsey Davis moderaram o debate e é o único agendado até ao momento entre Trump e Harris, pelo que poderá ser a primeira e única vez que os eleitores verão os dois políticos num frente-a-frente antes da eleição geral.

O aperto de mãos entre os dois candidatos – iniciativa de Harris que se dirigiu ao púlpito de Trump – foi o primeiro num debate presidencial desde 2016.