Apesar das muitas promessas feitas antes das eleições e dos inúmeros discursos simplistas e demagógicos, o verão está a ser um verdadeiro desastre no que respeita ao acesso a cuidados de saúde. Temos mais serviços encerrados ou condicionados, maior insatisfação dos profissionais e um mau estar em toda a cadeia de comando. Consequência: o acesso piorou drasticamente.
Pela primeira vez, toda a região centro e oeste ficou sem acesso a um serviço de urgência obstétrica e ginecológica. Milhares de mulheres ficam sem uma resposta de urgência para problemas do foro ginecológico e obstétrico e são já mais de três dezenas os bebés desta região que nasceram em Coimbra ou Porto.
Este cenário inaceitável também se verifica na península de Setúbal, onde por dia nascem, em média, 14 bebés e cerca de 77 mulheres são observadas nas três urgências especializadas da região. Ao todo, serão cerca de 400 mil mulheres e suas famílias que agora encontram portas fechadas e um sinal para se dirigirem a Lisboa.
Mas em Lisboa a situação também não está nada famosa. Com os condicionamentos a norte e na margem sul do Tejo, apenas a Maternidade Alfredo da Costa se mantém a funcionar com garantias. Esta é a causa dos recordes de utilização desta instituição nos últimos dias e que provoca um enorme desgaste nas equipas. Se nada for feito para inverter esta tendência, tal desgaste terá consequências na disponibilidade dos profissionais.
Perante esta terrível situação, a equipa do Ministério da Saúde tem poucas respostas, e menos ainda soluções, para apresentar. Do famoso plano de emergência do governo, que contempla um capítulo dedicado à saúde materna, apenas uma medida nesta área foi concretizada. Sabendo-se que este objetivo atingido passava por centralizar no SNS24 o encaminhamento de grávidas, é manifestamente curta a atuação do governo para resolver os problemas do setor.
Não é preciso estar muito atento para perceber que há outra atitude, tanto do ministério como da Direção Executiva. Todos nos lembramos quando no verão passado, perante uma doença súbita de um médico escalado para a única urgência no Algarve, a Direção Executiva mobilizou uma profissional da região norte. Por seu turno, a nova equipa da saúde adotou uma postura passiva e complacente perante o desastre.
Com o aumento da pressão, voltamos à conversa ideológica do costume a convocar a “ajuda dos privados”. Convém não esquecer que, quando o anterior governo abordou os privados para que recebessem algumas mulheres enviadas pelo SNS, estes apenas se disponibilizaram a receber 2 a 4% do total de grávidas e só se fossem partos não complexos. O que os motivaria a fazer diferente?
A solução não passa por drenar recursos para o privado, mas sim investir no SNS e nos seus profissionais. Basta olhar para o plano de redução de listas de espera de cirurgias oncológicas que, segundo dados do governo, foi um sucesso graças ao SNS, que garantiu 98% das cirurgias no tempo-alvo preconizado.
Não tenhamos ilusões, os problemas da saúde são estruturais e demoram tempo a resolver. Se é verdade que a anterior maioria absoluta é, em parte, responsável pelas dificuldades que estamos a enfrentar – pois apostou fortemente num discurso triunfalista e no conflito com os profissionais, em vez de tomar medidas efetivas para a resolução do problema –, torna-se cada vez mais evidente que o atual Governo, depois de ter criado expectativas de que seria fácil a resolução de todos os problemas do setor, pouco ou nada fez para inverter o cenário que há muito se adivinhava.
O impacto sobre o serviço público de saúde e sobre as pessoas já está a ser alto e o prejuízo só tende a aumentar.
Enfermeiro da Urgência Pediátrica e coordenador da Unidade de Saúde Pública Hospitalar do Hospital Fernando Fonseca