Se, nos últimos meses, Donald Trump liderou consistentemente as sondagens, a situação inverteu-se nas últimas semanas, com Kamala Harris a assumir a dianteira na maioria dos estudos que têm sido publicados. Contudo, se sempre considerei que a corrida estava longe de estar decidida, não posso agora afirmar que a situação se alterou radicalmente. Além disso, é necessário destacar que, nesta fase, tanto Hillary Clinton em 2016, como Joe Biden em 2020, apresentavam vantagens superiores às que Kamala Harris detém atualmente.

 

Do lado democrata, é evidente que, após tantos meses a tolerar um Joe Biden incoerente e com aparentes problemas físicos e cognitivos, todo o partido se sentiu revitalizado e entusiasmado por contar com uma candidata dotada de vigor físico, pertencente a uma nova geração de políticos, e que tem cumprido à risca um guião cuidadosamente delineado pelos seus estrategas. Kamala Harris não cometeu, até ao momento, erros significativos – embora considere que a escolha de Tim Walz não tenha sido a mais acertada – e tem levado a cabo uma campanha notavelmente eficaz.

 

Por outro lado, a campanha de Trump parece estar virada do avesso. Passou as últimas semanas a lamentar-se publicamente pela retirada de Joe Biden da corrida, evidenciando a ausência de uma estratégia de campanha e demonstrando frustração por tal. Mesmo para os padrões de Trump, as suas declarações têm sido surpreendentes, como ao afirmar que as multidões nos comícios de Kamala são produto de Inteligência Artificial ou que Joe Biden poderia tentar ser novamente candidato na Convenção Democrata. Enquanto os seus estrategas lhe pediam que se focasse em ataques políticos a Kamala Harris, descrevendo-a como excessivamente à esquerda, Trump optou por continuar a criticar o retirado Joe Biden e, pior ainda, por atacar a candidata democrata em termos pessoais – uma abordagem que apenas afasta os eleitores moderados e as mulheres, dois segmentos do eleitorado que Trump necessita urgentemente para vencer as eleições.

 

Simultaneamente, as duas conferências de imprensa e a “entrevista” que concedeu a Elon Musk na plataforma “X” não surtiram o efeito desejado. Foram intervenções incoerentes, repletas de inverdades e distorções, mas, acima de tudo, pouco focadas, revelando um Trump desajustado em relação à campanha que necessita de fazer. Ele deveria estar a caracterizar a dupla Harris/Walz como excessivamente à esquerda em temas que favorecem os republicanos, como a imigração, a energia, a economia ou o custo de vida. Ao focar-se em insultos pessoais, Trump tem contribuído para facilitar a tarefa dos democratas, em vez de travar o “momentum” de Kamala. Não por acaso, vários dos seus colaboradores têm manifestado preocupação com a estabilidade emocional do seu candidato e, mais do que isso, com a sua capacidade de reverter este mau momento – o pior deste ciclo eleitoral.

 

A próxima semana será crucial. A Convenção Democrata em Chicago tem tudo para ser um sucesso. Com um espetáculo bem orquestrado e com muitas figuras de destaque, como Bill e Hillary Clinton ou Barack Obama, além de vários outros democratas e, certamente, personalidades do mundo do entretenimento, esta será uma oportunidade para apresentar Kamala Harris novamente aos eleitores e transmitir uma mensagem optimista de futuro, em contraste com o retorno ao passado que os republicanos têm proposto. Trump tentará introduzir ruído durante esta semana, mas com o apoio dos media, o foco mediático estará centrado em Kamala Harris. No entanto, todos nos recordamos da Convenção Republicana do mês passado, que foi um grande sucesso para Donald Trump, e veja-se o estado atual da sua campanha passadas apenas algumas semanas.

Em Setembro, poderá haver um novo “reset” da campanha. Isto porque os candidatos voltarão ao terreno, teremos os debates presidenciais e uma parte da América, até agora desconectada da política, começará a prestar atenção a estas eleições e a preparar-se para votar. E é preciso não esquecer, como referiu esta semana Nate Silver, que as sondagens têm tido tendência a subestimar o apoio a Donald Trump. Estima-se que, para vencer as eleições presidenciais, os democratas necessitam de conquistar o voto popular com uma margem de 2 a 3 pontos percentuais. Precisamente a vantagem que Kamala Harris detém neste momento.