“A advocacia não é a profissão das certezas mas das esperanças”

Raul Haidar

 

(Olhando o mar de Porto Santo, surge um renovado disclaimer: desde o final do meu estágio, há mais de 20 anos,  que não faço o que os cidadãos conhecem como oficiosas. Recuso-me a integrar um sistema em que os honorários dependem da aprovação dos funcionários judiciais, também eles sobrecarregados. Recuso-me a integrar um sistema em que, tal como sucedeu num outro governo, seja possível alguma ministra decidir começar a apresentar acríticas queixas-crimes contra os advogados por alegadas burlas que, na sua esmagadora maioria, não existiram. Por último, não integro um sistema em que o que o Estado paga, após mil burocracias, é indigno. Prefiro ser eu a seleccionar os casos pro bono do que o fazer com o intermédio do Estado. Sei, contudo, que tal não é o caso de muitos colegas meus que, com alguma infelicidade, precisam destas nomeações para subsistir. Dito isto, nesta luta, estou, como sempre, ao lado dos meus colegas.)

 

Parte dos cidadãos habituou-se a ouvir falar mal daquilo a que apelida “oficiosos”, seja porque não domina as regras processuais e, como tal, não consegue perceber porque foi seguida aquela estratégia, seja porque é prática corrente culpar o elo mais fraco para justificar condutas próprias.

O que só os advogados sabem é que, a par de falta de apoios sociais básicos, quem se increve no sistema de acesso ao direito recebe quantias verdadeiramente ridículas pelo exercício de uma profissão que já foi considerada nobre mas que, face ao que o Estado paga, se tornou entre o trágico e o risível.

Tendo eu perdido a conta ao número de anos que a tabela dos honorários das oficiosas não sofreu aumentos, o actual Conselho Geral da Ordem dos Advogados encontra-se a promover uma engenhosa forma de protesto, instando os profissionas a não se inscreverem no dito sistema de acesso ao direto no mês de Setembro, já que, por se tratar de uma profissão liberal, não há lugar a greve. A ideia passa, portanto, por deixar os tribunais com falta de advogados oficiosos, o que me parece um excelente passo para se sentir a respectiva falta.

Do que vou lendo, tal apelo, ao qual obviamente só aderirá quem com o mesmo concorde, tem esbarrado em críticas, deixando patente quer a desunião da classe, quer a antevisão das eleições.

Aqui chegados, importa que alguém diga muito claramente que se trata de um problema que ninguém conseguiu resolver nas duas últimas décadas e que, na pior das hipóteses, se fica na mesma.

Depois, importará também referir que, por estranho que possa parecer aos demais, um advogado tem que pagar contas como os outros mortais, tem família, fica doente. E quando se recebe pouco mais de duzentos euros brutos para fazer um julgamento, é de facto um milagre que ainda existam (e existem bastantes…) advogados que realmente se preocupem e honrem a toga.

Se até chegar aqui este tema lhe parece indiferente, o que posso apenas dizer é que, quando lhe toca directamente, não há cidadão que não se vire para o seu advogado e nele deposite as suas esperanças.

Este é, contudo, o momento de serem os advogados a ter esperança mas, acima de tudo, a honrarem a toga em causa própria. Não se trata apenas da subsistência. O que está em causa é também a dignidade.