Verão outra vez. E com ele, dizem, aumentam os constrangimentos nos vários serviços de urgência da região.

Mas não será o verão apenas uma desculpa para se continuar a ignorar o óbvio? Que os constrangimentos acontecem durante os restantes meses do ano, que os serviços de urgência continuam a ser sobre-utilizados com situações não urgentes, que a integração de cuidados entre os hospitais e os cuidados de saúde primários ainda está longe de ser uma realidade.

Se é verdade que os vários serviços de urgência do Algarve funcionam, por vezes, com números abaixo dos mínimos, que a população do Algarve triplica nos meses de Verão (com o potencial aumento do número de admissões nas urgências), a realidade é que, o mês onde é registado o maior movimento nos serviços de urgência é o mês de janeiro, consecutivamente em vários anos, de acordo com o Relatório do Grupo de Trabalho dos Serviços de Urgência.

De acordo com dados da OCDE, Portugal é o país com maior número de atendimentos em serviços de urgência, ainda que pelo menos metade não sejam considerados urgentes: têm prioridade azul ou verde atribuída pela Triagem de Manchester. Por aqui se vê a desvirtuação do que se pretende que seja um serviço de urgência, que por definição no Despacho nº 18459 de 2006, deve atender situações emergentes ou urgentes, aquelas em que a instalação foi súbita e onde há compromisso ou risco iminente de compromisso ou falência de uma ou mais funções vitais. Portanto, parece fácil, e óbvio, que sejam situações que requerem uma intervenção para correção da condição num curto espaço de tempo. No mesmo sentido, também me parece inteligível, que todas as outras condições que não sejam de instalação súbita, que não requeiram intervenção imediata e que possam ser avaliadas pelos médicos assistentes com estudo complementar eletivo e programado, não devessem ser abordadas num serviço de urgência. O que as pessoas não sabem ou não pensam, é que o abuso dos serviços de urgência, todos com recursos escassos, vão potenciar o aumento dos tempos de espera para toda e qualquer condição. Para as que podem, e para as que não podem esperar.

Os culpados, se existirem, somos todos. E as políticas que, há mais de 20 anos, decidiram pelo encerramento dos Serviços de Atendimento Permanente e dos centros de saúde que, paulatinamente, foram perdendo a capacidade de resposta urgente e passaram a direcionar tudo para os vários serviços de urgência hospitalar (aqueles que nunca podem fechar). Das pessoas que, por desconhecimento ou facilitismo, recorrem persistente e permanentemente aos serviços de urgência para resolver problemas que não deveriam ser da sua competência (e que muitas vezes não o são). Das pessoas que trabalham nos vários serviços de urgência que, por pena ou solidariedade, continuam a estudar o eletivo e a tratar o adiável. Da impossibilidade de se recusarem admissões (e bem, na minha opinião) mas de também não se poderem direcionar para os serviços adequados porque os mesmos também não garantem a soluções, etc..

E chegamos mais uma vez ao Verão, e havemos de chegar mais outra(s) vez(es). E vai sempre continuar a ser mais fácil culpá-lo do que a promover a educação para a saúde, a garantir respostas não urgentes no tempo adequado, a fomentar a descentralização das urgências, a incentivar uma verdadeira integração de cuidados. Talvez com as Unidades Locais de Saúde isso possa vir a ser possível. Porventura até ao próximo Verão.

Este artigo apenas expressa a opinião do seu autor, não representando a posição das entidades com quem colabora