Quase que em simultâneo com fulcrais eleições em duas das maiores e mais importantes democracias europeias – Reino Unido e França – as quais, com todas as suas históricas diferenças políticas e culturais, convergem na possibilidade alargada de escolha atribuída ao cidadão-eleitor em detrimento do exclusivo dos diretórios partidários, surgiu da sociedade civil nacional um Manifesto pela reforma do sistema eleitoral.

Curiosamente, num país que se diz com uma sociedade civil atávica e num curto espaço de tempo, dois conjuntos – bem distintos – de cidadãos ousaram mobilizar-se na defesa de reformas em duas áreas – Justiça e Sistema Eleitoral – cujos partidos tradicionais se mostraram, nestes últimos 50 anos, totalmente incapazes de concretizar.

É, duplamente, de saudar.

Assim, seja num centralizado e burocrático estado francês, com um modelo eleitoral mitigado a duas voltas, ou, ao invés, no liberal e descentralizado Reino Unido, num ato eleitoral único, em que “the winner takes it all”, o eleitor sabe que a sua escolha é personalizada em apenas um candidato, mais do que num partido, daí as baixas (em comparação com as nossas) taxas de abstenção, e, simultaneamente, uma forte ligação que se estabelece entre eleitos, eleitores e os territórios que representam.

Num país em que, paralelamente a outras fulcrais áreas estagnadas no tempo (como a Justiça), há décadas se discute uma reforma do sistema eleitoral visando aproximar os cidadãos dos seus representantes, sem qualquer sucesso, mas que, em simultâneo, “delira” (como magistralmente já retratava Eça há 150 anos) com atos eleitorais em democracias maduras como França, Reino Unido ou os Estados Unidos, só poderá ser aproveitado este decisivo contributo da sociedade civil para uma profunda mudança.

Independentemente do modelo que se venha a adotar urge reduzir a dimensão dos círculos eleitorais mais populosos, seja para círculos uninominais ou plurinominais, mas sempre com a real possibilidade de escolha do candidato (e não só do partido) pelo eleitor.

Por outro lado, mitigando os “votos” que irremediavelmente se iriam perder, é necessária a criação de um círculo de compensação nacional (à imagem do que já acontece nas eleições regionais dos Açores), garantindo a representatividade.

Claro que não há democracia sem partidos políticos, mas estes terão (têm) de se refundar sob pena de uma crescente irrelevância (particularmente entre os mais jovens).

Deverão abrir-se à participação de todos, designadamente, nas escolhas dos seus candidatos a eleições externas, consagrando eleições primárias (abertas ou não a simpatizantes), eliminando mecanismos burocráticos de participação interna, no fundo, adequando as formas de participação à realidade do século XXI.

Porque só uma reforma, conjugada, desta dimensão afasta os populismos, a sub-representação gritante e a demagogia de alguns.

Haja coragem para mudar, porque os dados estão lançados.