“A Europa suspirou de alívio”. Tê-lo-á feito, certamente, mas o suspiro inicial não eliminou a ameaça que, aliás, nem deixou o suspiro durar muito tempo.
Este ciclo político europeu, “findado” com a derrota expressiva da extrema-direita nas eleições legislativas francesas, é apenas o início da luta concreta e palpável, não o seu fim. A concretização, consolidação e legitimação de forças inimigas das mesmas instituições que ocupam é a realidade para que nos temos aproximado, lentamente, ano após ano – e agora o destino é inescapável. Ou eles ou nós, mesmo a tempo da presidência húngara do Conselho da União Europeia.
Este é um ponto que quero aprofundar um pouco mais, tanto quanto a reflexão semanal mo permite.
O poder institucional está a ser levado à toa, com um Parlamento Europeu ainda confuso na sua organização tão perto do começo do próximo mandato e com a Europa ainda a tentar recuperar o fôlego do susto francês; daquilo que poderia, em perpectiva, ter sido.
A questão do susto francês é que qualquer reflexão somente sobre a derrota de Marine Le Pen não proporciona grande otimismo quando a primeira grande derrota foi nossa – da Democracia – ao oferecer uma realidade onde uma vitória da União Nacional pudesse sequer ser perspetivada. Este crescimento faz com que o susto francês seja um diagnóstico de cancro de grau 2 em vez de ser terminal: mais vale, mas o cancro lá continua.
Tal continua a ser verdade, meros dias depois da tomada de posse da Hungria na presidência rotativa do Conselho da União Europeia. Viktor Orbán aproveitou já para ir a Kiev, Moscovo e Pequim. Mais que isso, aproveitou para fazê-lo não enquanto presidente do seu país em reuniões bilaterais, mas numa tentativa simultânea de demonstração de força e capacidade pessoal e enquanto representante do Conselho da União Europeia. Vai piscando o olho também a Donald Trump – do outro lado do lago, mas do mesmo lado da barricada –, numa altura em que a Europa cada vez mais procura autonomia estratégica.
A tentativa de afirmar-se como mediador de paz no conflito entre a Rússia e a Ucrânia apenas beneficia o infrator, de quem se tem aproximado e que tem, indiretamente, defendido de há uns anos a esta parte. Relembra a estratégia chinesa, que, pedindo diálogo entre as partes, tenta resolver pela caneta o que foi começado pela espada: vulgo, pelas regras o que foi começado sem tê-las em conta.
Não tendo convencido com os seus argumentos em contrário, continuará a pairar no ar a dúvida se o faz em nome da União Europeia – o que realmente importa não é a sua ginástica semântica, mas a forma como as suas ações são entendidas e contextualizadas na política externa e interna da Europa. É uma confusão estratégica propositada. E onde há fumo, costuma haver fogo.
Mestrando em Ciência Política e Relações Internacionais