Nas semanas que antecedem as eleições europeias, multiplicam-se os protestos e os tumultos em Bruxelas. Nenhum deles é sinal do enfraquecimento do carácter democrático das instituições, mas sim, na verdade, um apelo em sentido contrário. O timing adequa-se simplesmente pela crescente mediática em torno da Praça do Luxemburgo (o sítio, não a organização), que torna as reivindicações mais expansivas.
Não obstante isso, se privarmos estes protestos da sua vertente coletiva, deixa de ser uma questão “agricultores-classe política” e passa, ao invés disso, a ser uma questão de “prejudicado-ajudante”. Muito se esquece, não menos em Bruxelas, que a política é uma máquina cujos componentes são as pessoas; se fosse de ferro, talvez tivesse menos defeitos. O grande objetivo, então, é que esses defeitos sejam minimizados.
O prejudicado, desconfortável, mantém a sua fé nas instituições ao procurar contacto com a mesma. O protesto é, neste sentido, uma forma de legitimação e crença. O problema será quando deixar de haver protestos e quando os prejudicados direcionarem o seu descontentamento a outros. A calma que se sentirá não será fruto de estabilidade, será porque a tempestade está próxima.
Quando o prejudicado depositar a sua fé noutros que não as instituições, ganham todos os que são contra as mesmas. As forças democráticas deixaram, ingenuamente, que o problema se arrastasse e agora não há outra forma de sair por cima senão lidar diretamente com o desconforto. Todo o diálogo com quem protesta pelo seu desalento é, naturalmente, difícil, já que o objetivo, de parte a parte, será sempre o alívio da tensão e a resolução do problema – pessoal e político –, fruto de desentendimentos ou desalinhamentos. É através daí, no entanto, que a sociedade avança. Quando apenas uma das partes está desconfortável, o conforto de quem manda impera supremo. O desconforto da pessoa política numa democracia liberta o alarme de que a máquina não está a funcionar devidamente.
Para a extrema-direita, a máquina é de ferro, sem margem para erro, e as pessoas secundárias. Embora fragmentada, a extrema-direita poderá ser a maior tendência ideológica do Parlamento Europeu nestas eleições – ao contrário do que se poderia passar em Portugal, não há nenhum órgão com a capacidade de dissolver o hemiciclo e convocar eleições antecipadas. A extrema-direita não consegue ir ao cerne do desconforto, porque de nada lhes vale tentar “resolver” os problemas que a mantêm ativa, ou causar desconforto popular – até ao dia em que o desconforto se tornar, simplesmente, no quotidiano e o conforto deixar de ser.
A máxima, desde Thomas Hobbes, é a seguinte: em todas as deliberações políticas é necessário raciocínio sólido e coerente; não obstante isso, sem eloquência poderosa, o efeito da razão é reduzido. Estas duas qualidades são contrárias: a primeira baseada nos princípios da verdade, a segunda com opiniões preconcebidas. Ao usar exclusivamente “eloquência poderosa” em detrimento do “raciocínio sólido” requerido em deliberação política, salvaguarda a subsistência das opiniões e não do princípio da verdade.
As palavras são as carapaças ocas das ações. Nenhuma palavra, por mais bela ou satisfatória que seja, resolverá problemas. O desconforto, o protesto e o diálogo são a base do crescimento democrático. Começando por aí, a transparência e a competência de uma democracia saudável demonstram ser imbatíveis – mas, para que isso aconteça, teremos de votar nesse sentido dia 9 de junho: para que continue a haver desconforto, protesto e diálogo.
Mestrando em Ciência Política e Relações Internacionais