Cada vez mais mulheres jovens e adolescentes estão a submeter-se a cirurgias vaginais, como as labioplastias, em hospitais e clínicas, mas especialistas alertam para as consequências futuras dessas cicatrizes no parto e na menopausa.
O ginecologista responsável pela unidade de trato genital inferior no Hospital de S. João (Porto), Pedro Baptista, disse que a unidade recebe “pelo menos dois ou três pedidos por mês [de labioplastias] naquela unidade hospitalar.
O médico explicou que a jovem que se submete a este tipo de cirurgia vai crescer e que o seu corpo vai mudar. O desfecho dessas cirurgias quando realizado em mulheres muito jovens pode resultar em complicações, nomeadamente no parto ou na menopausa. Para o especialista, não se pode ceder à política de convencer as pessoas que precisam de fazer cirurgias para ser “normal” ou “para salvar o casamento”.
O médico exemplificou: “À rapariga jovem de 13, 14 anos, muitas vezes quem lhe causa o problema é a mãe. É a mãe que vem com ela e diz que ‘aquilo’ [os pequenos lábios vulvares] é enorme. É a pressão das mães que as faz sentir que têm necessidade de uma intervenção”.
A cirurgiã plástica no Hospital Universitário de Coimbra (HUC) Sara Ramos confirmou também que chegam aos HUC “um a dois casos por mês” de jovens mulheres a pedir labioplastias. “Quando comecei a especialidade, há 20 anos, praticamente não aparecia e agora aparece pelo menos um caso todos os meses”, disse a cirurgiã, considerando, empiricamente, que há aumento da procura destas cirurgias relacionadas com a redução dos lábios da vulva, tanto nos hospitais públicos como nos privados.
Lamentando que os órgãos genitais estejam a ser sujeitos a um escrutínio baseado na noção de uma estética popular ou por influência da indústria pornográfica, Sara Ramos lembra que há muita variabilidade na natureza e que isso não é necessariamente uma doença.
As pacientes que se submetem à cirurgia no Serviço Nacional de Saúde têm comparticipação, mas as intervenções só são realizadas quando há questões ou queixas funcionais ou patologias.
No privado, a tabela de preços destas cirurgias situa-se entre os 2500 e os 4500 euros, havendo uma consulta prévia com o médico para definir quais são as cirurgias a realizar e a paciente entra e sai em regime de ambulatório no mesmo dia.
As clínicas que a Lusa consultou na internet anunciam que fazem desde labioplastias, “lipofilling” (preenchimento) dos lábios vaginais, clitoroplastia e hímenplastia. Duas destas clínicas que a Lusa contactou telefonicamente confirmaram que há uma procura de três a quatro pacientes por mês para realizar uma labioplastia. As razões prendem-se com questões funcionais ou estéticas.
A crescente procura destas cirurgias vaginais por adolescentes e mulheres jovens pode estar relacionada com pressão dos companheiros, das redes sociais e dos filmes pornográficos, afirmaram vários psicólogos à Lusa, defendendo que deve haver um acompanhamento psicológico prévio.
Para a psicóloga Ana Paulino, que trabalha na área da dor, é preciso atenção à saúde mental das raparigas e adolescentes que se sujeitam a labioplastias vaginais apenas por razões estéticas. A psicóloga acredita que as redes sociais, a pornografia de fácil acesso e a explosão, nos últimos anos, de clínicas de estética e dermatologia a fazer este tipo de cirurgias são as principais causas do aumento da procura.
“Preocupa-me, a nível de saúde mental, saber o que está por detrás desta decisão e desta escolha. Também me preocupa a possível desinformação, esta possível influência dos media e este tipo de clínicas que levam a pessoa com autoestima baixa a acreditar que o corpo não está como deveria estar”, sustentou.
Há cada vez mais adolescentes a fazer cirurgias vaginais em Portugal
A psicóloga observou o paradoxo de vivermos tempos em que as pessoas se tornaram “mais livres nas escolhas sobre o corpo”, ao mesmo tempo que a indústria estética se afirma cada vez mais como “uma espécie de prisão da autoestima”. “Antes de avançarmos para uma cirurgia deste tipo, seria prudente e sensato avaliar se esta pessoa está a par da imensa e natural diversidade de aspectos estéticos de vulvas ao nível das cores, tamanhos, formas, pilosidade e afins”, alertou a psicóloga.
Dizendo-se preocupada com os “riscos emocionais associados” a estas intervenções, Ana Paulino defendeu que estes procedimentos devem sempre ser feitos em consciência e de forma “informada, confortável, consentida”, em linha com as “necessidades, desejos, valores ou sentimentos de quem as procura”.
Também para a psicóloga e docente na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto Raquel Barbosa devia haver um acompanhamento da saúde mental e uma avaliação psicológica das jovens em todas as clínicas que realizam estas cirurgias.
Recorrendo a dados da Sociedade Americana de Cirurgia Plástica, Raquel Barbosa lembra que, de todas as mulheres que procuram este tipo de cirurgias, menos de metade ficam satisfeitas com o resultado. E isto, conclui, é a confirmação de que há “questões de saúde mental, de autoestima e de autoimagem que não se resolvem com uma cirurgia estética”.
A maior facilidade de acesso a estas cirurgias, conjugada com as redes sociais, aumentam a “disseminação destes ideais de beleza, muitas vezes completamente idealistas e manipulados”, observa ainda a psicóloga, lembrando que “a autoestima vem de casa, vem do berço”, pelo que “as crianças têm ser valorizadas enquanto pessoas, independentemente da forma do corpo”.