O tema da integração da Ucrânia na União Europeia (UE) é um dos temas mais abordados na campanha eleitoral às eleições europeias, não apenas em Portugal. E a agricultura ucraniana é sempre um dos pontos mais críticos nas discussões sobre este possível alargamento.

A Ucrânia apresentou o pedido de adesão à UE em fevereiro de 2022, tendo obtido o estatuto de candidato em junho de 2022. As negociações de adesão começaram em dezembro de 2023 e, em março deste ano, a Ucrânia foi felicitada pelos esforços que está a fazer, e existe a expectativa de muitos responsáveis europeus que a Ucrânia possa aderir à UE antes de 2030.

As negociações de adesão são um processo altamente complexo. A Ucrânia terá de adotar as regras de funcionamento e todas as normas europeias. Sendo a UE uma máquina altamente burocrática e regulatória, um país que está em guerra tem enormes dificuldades para cumprir um roteiro tão exigente. Para além disso, e estando eventualmente todas as condições de base cumpridas, as negociações culminam num tratado de adesão que deve ser ratificado pelo Parlamento Europeu e por todos os Estados-membros da UE.

Nunca visitei a Ucrânia, mas todos os agrónomos que conheço e que já lá estiveram, ou lá trabalharam, sempre me falaram de condições agrícolas fantásticas. É um país maioritariamente plano, com bastante água e excelentes solos. Em termos de disponibilidades hídricas, estamos a falar de um país com uma grande diversidade de rios, lagos e grandes barragens. Em termos de solos, quase dois terços deles são altamente férteis; são solos escuros, com elevados teores de matéria orgânica. Este teor pode chegar aos 9%, quando Portugal tem a maioria da área com solos com teores inferiores a 1%. Estas condições fazem com que a Ucrânia seja conhecida como o “celeiro da Europa”.

Em 2020, a superfície agrícola da Ucrânia era de 41,3 milhões de hectares, ou seja, 68,5 % da superfície terrestre total do país. Desta superfície agrícola, 32,7 milhões de hectares eram terras aráveis, o que representa uma área superior a 120% da área arável de França, ou cerca de 140% da área arável espanhola. A integração da Ucrânia aumentaria 25% a atual área agrícola da UE.

A agricultura era, em 2021, o terceiro setor económico mais importante na Ucrânia, representando cerca de 11% do PIB, empregando 2,5 milhões de pessoas, cerca de 14 % do emprego total. Em comparação, o sector agrícola na UE contribui com 1,4 % do PIB e representa 4,2 % do emprego europeu. Em 2013, a Rússia bloqueou as exportações ucranianas para impedir que Kiev desenvolvesse laços mais estreitos com a UE. Após a anexação ilegal da Crimeia por Moscovo, e a sua agressão militar no leste da Ucrânia, Kiev assinou um acordo de parceria com a UE, que se tornou o seu principal mercado. Ao contrário da maior parte da sua produção industrial, as culturas da Ucrânia mantiveram-se competitivas no mercado da UE e as exportações aumentaram. Em 2021, a agricultura representava 41% das exportações da Ucrânia, sendo que, em 2013, “apenas” representava 27%.

Os cereais e as culturas industriais destinadas à exportação dominam a produção agrícola ucraniana. Em 2021, 56% da superfície arável ucraniana foi afeta à produção de cereais (principalmente trigo, milho e cevada) e 32,3% da superfície arável estava afeta a culturas industriais (principalmente girassol, colza e soja); da restante área agrícola ainda tinha relevância a produção de batatas e de forragens para consumo animal.

Em 2021, e a título de exemplo, a Ucrânia produziu 32 milhões de toneladas de trigo, 42 milhões de toneladas de milho e 16,4 milhões de toneladas de girassol. Este nível de produção de trigo é equivalente à produção francesa (o maior produtor europeu). A produção de milho na Ucrânia é 1,5 vezes a produção conjunta da França e da Roménia (os dois maiores produtores europeus de milho) e a produção de girassol é 1,5 vezes a produção total atual de girassol na UE. Ou seja, a acontecer, a integração da Ucrânia na UE terá, desde logo, um impacto muito positivo na redução dos níveis de importação destas matérias-primas. Isto permite reduzir a dependência da UE ao exterior e fortalecer a capacidade negocial no comércio internacional.

Em 2020, a UE tinha 9,1 milhões de explorações agrícolas, 93% das quais eram classificadas como explorações familiares, com uma dimensão média de 11 hectares. As explorações não familiares representam apenas 7 % das explorações agrícolas da UE, mas a sua dimensão relativa é consideravelmente maior, com uma dimensão média de 102 hectares. Na Ucrânia, as empresas agrícolas desempenham um papel proeminente na utilização das terras e na produção agrícola. Os principais atores da agricultura ucraniana são as 8.600 explorações agrícolas de média dimensão (200 a 2.000 hectares), responsáveis pela produção de mais de 50% dos cereais ucranianos. Entre as empresas que exploram áreas muito grandes, 22 têm uma área de mais de 50.000 hectares e, destas, 10 ultrapassaram os 100.000 hectares. A maior empresa agrícola na Ucrânia explorou uma área de cerca de 500 mil hectares em 2020.

A agricultura ucraniana tem sido um dos principais alvos militares da agressão russa. Atualmente, a Ucrânia controla pouco mais de 80% do total das suas terras aráveis. No relatório “Agricultural War Damages, Losses, and Needs Review”, publicado pela Universidade de Economia de Kiev, estima-se que a agricultura ucraniana tenha sofrido danos e perdas na ordem dos 80 mil milhões de dólares. Este valor inclui um valor estimado na ordem dos 69,8 mil milhões de dólares de receitas perdidas devido à diminuição da produção agrícola e pecuária, à redução dos preços de mercado interno e ao aumento dos custos de produção suportados pelos produtores ucranianos. Ao que são acrescidos um total de 10,3 mil milhões de dólares de bens roubados, destruídos ou danificados, incluindo máquinas agrícolas, produtos agrícolas, fertilizantes, combustíveis e instalações de armazenamento (o estudo aponta para que a Ucrânia tenha perdido cerca de 20% da sua capacidade de armazenamento).

Historicamente, a agricultura tem sido a questão mais complexa nas negociações de alargamento e, neste caso particular, a integração do sector agrícola da Ucrânia representa um desafio para a UE. Os agricultores europeus receiam os impactos nos mercados e no nível de rendimento. Os sucessivos alargamentos da UE foram sempre precedidos de reformas da PAC, e de um conjunto de compromissos de adesão bastante exigentes que têm de ser cumpridos por parte dos países candidatos. Dada a dimensão da agricultura ucraniana, a candidatura suscitou muitas preocupações. Os dirigentes das maiores associações de agricultores de França e da Alemanha afirmaram que a adesão da Ucrânia seria uma “catástrofe” para a agricultura europeia.

Se aplicarmos as atuais regras da PAC, e de acordo com um estudo desenvolvido pela Brugel (think tank europeu especializado em temas económicos) para o Conselho Europeu, a adesão da Ucrânia representaria, em pagamentos da PAC ao longo de sete anos, um valor na ordem dos 96,5 mil milhões de euros, o que conduziria a uma redução na ordem dos 20% nos apoios agrícolas para os atuais Estados-membros. Outros estudos apontam também para valores desta ordem de grandeza.

O impacto final da adesão da Ucrânia na agricultura da UE dependerá da evolução da guerra e da reconstrução, da política agrícola da UE aplicável quando a Ucrânia se tornar membro e das condições acordadas no tratado de adesão. Isto se algum dia vier a acontecer. Da minha parte não tenho dúvidas que ter a Ucrânia na UE seria positivo e, sobretudo, bastante melhor do que tê-los fora da UE. Haverá certamente um impacto grande nos montantes que cada Estado Membro receberá da PAC ou de outros Fundos Europeus. Para um país como Portugal, em que os Fundos Europeus substituíram, quase na totalidade, o orçamento do estado em termos de investimento público, pensar em cortes nos fundos europeus é um cenário que nos deixa apreensivos. Se um dia a integração da Ucrânia na EU vier a acontecer, e esperemos que aconteça, será uma discussão interessante de acompanhar e uma oportunidade para testar a solidez da solidariedade e da subsidiariedade europeia.