O Mercado Único é um dos pilares fundamentais da União Europeia. E quando se trata da saúde dos cidadãos europeus, este pilar revela-se não apenas vital, mas também um verdadeiro catalisador de progresso. Isto consubstancia-se na livre circulação de medicamentos no espaço europeu, permitindo níveis de centralização, planeamento da produção e de eficiência logística e comercial que se traduzem numa redução brutal nos custos de produção e de contexto. Só assim é possível ter disponível em todos os países as dezenas de milhares de medicamentos que todos os dias são dispensados em farmácias e hospitais. Estes benefícios são igualmente verificáveis quando falamos de Distribuição Paralela de medicamentos.

Esta atividade, que se divide em importação e exportação, consiste na distribuição de medicamentos de marca de um Estado-membro da UE para outro, tirando partido das diferenças de preços entre países. É um instrumento importante para tornar os medicamentos mais acessíveis e o seu custo mais sustentável, incluindo em Portugal, onde, por lei, o medicamento importado paralelamente deve ser no mínimo 5% mais barato do que o medicamento comercializado no mercado nacional.

Na realidade, as importações paralelas, ao introduzirem concorrência num mercado que era até então monopolista, levam à redução dos preços e, por conseguinte, das despesas com fármacos, obrigando as empresas farmacêuticas a reavaliar as suas estratégias de fixação de preços e assegurando a competitividade e a transparência através da introdução de alternativas mais acessíveis. Este processo, por sua vez, traduz-se em poupanças diretas e indiretas para todo o sistema de Saúde e, à medida que os custos são reduzidos, libertam-se recursos para outras áreas essenciais do Sistema Nacional de Saúde, como a melhoria das infraestruturas ou o recrutamento de mais Profissionais de Saúde.

Adicionalmente, as importações paralelas aumentam a disponibilidade de medicamentos, pois muitas vezes os medicamentos que faltam num país estão disponíveis sem restrições noutros países da UE. Este fator assume especial relevância no contexto português, caracterizado pelo sub-abastecimento crónico devido ao qual, com demasiada frequência, não entram no país medicamentos em quantidade suficiente para satisfazer as necessidades do mercado.

Por estas razões, não é de estranhar que, a nível europeu, a Comissão Europeia, as autoridades de saúde, os reguladores e outros atores relevantes dos sistemas de saúde nacionais promovam ativamente os benefícios da distribuição paralela, bem como os seus efeitos positivos na concorrência e na redução dos custos dos medicamentos.

Mas a importação paralela tem outro lado igualmente importante: a exportação. É inegável que, para importar, é preciso que exista alguém que esteja disposto e possa efetivamente exportar e assim contribuir para a promoção da eficiência na distribuição de medicamentos, garantindo que determinado país consegue escoar os seus excedentes para outras nações. Esta prática não apenas evita a escassez de medicamentos em determinadas regiões, mas também ajuda a equilibrar o mercado, impedindo que os preços subam excessivamente devido à elevada procura em determinado país.

E não se pense que, por Portugal ser um mercado tradicionalmente exportador, não pode beneficiar também dos benefícios da importação paralela de medicamentos. É preciso combater a retórica muitas vezes veiculada de que a distribuição paralela mais não é do que o aproveitamento por parte dos países mais ricos da Europa dos preços mais baixos que são praticados nos países mais pobres – isso é pura e simplesmente falso! Na realidade, de acordo com dados da Affordable Medicines Europe, 52% das exportações paralelas têm origem dos países com o PIB mais elevado, com a Alemanha e a França à cabeça. Por si só, este facto é a demonstração de que a ideia feita de que o fluxo comercial da distribuição paralela se processa dos países com menor rendimento para os países mais ricos, não passa disso mesmo: uma ideia feita sem qualquer correspondência com a realidade.

Em conclusão, a distribuição paralela de medicamentos traduz-se numa série de benefícios evidentes para todo o Mercado Único, incluindo naturalmente Portugal, razão pela qual não se compreende como é que continuam a existir tantas barreiras burocráticas e concorrenciais à importação e à exportação. A falta de resposta atempada das autoridades competentes no que diz respeito ao registo, atribuição de preço, mas em particular à comparticipação de alguns dos medicamentos importados paralelamente, alguns deles cronicamente em falta no país; ou, o nível altíssimo de proibições de exportação para outros países da UE, supostamente decretadas com o objetivo de resolver faltas que, no entanto, aparentam não parar de se agravar (indicador claro de que o motivo dessas faltas não é a exportação!) – são apenas alguns exemplos das barreiras que existem e que urge eliminar.

O Mercado Único da União Europeia é uma força poderosa e a melhor receita quando se trata de garantir o acesso a medicamentos de qualidade a preços acessíveis. É mais do que tempo de Portugal aproveitar plenamente as vantagens deste pilar fundamental da construção europeia.

Eurico Pais, farmacêutico e membro da Direcção da APIEM