André Ventura fez da justiça e da luta contra a corrupção duas das grandes bandeiras da campanha do Chega para as eleições de 10 de março e conseguiu fazer crescer a representação do partido na Assembleia da República de 12 para 48 deputados, numa altura em que ainda estão a chegar a Portugal os votos da emigração. 

Apesar desta sua missão de “limpar Portugal”, muitos dos candidatos nas listas do partido e dos deputados que foram eleitos no último fim de semana estão, eles próprios, a braços com a justiça, começando por quatro que já faziam parte do grupo parlamentar nesta sessão legislativa. São eles Filipe Melo (Braga), Pedro Frazão (Santarém), Pedro Pinto (Faro) e Rui PauloSousa (Lisboa).

A 19 de abril de 2022, Filipe Melo foi condenado, juntamente com a mulher, a pagar 15 mil euros – a que acresciam juros – à Associação para oDesenvolvimento Pessoal e Social, proprietária do Colégio João Paulo II, em Braga, pelo pagamento de consultas e terapias do filho, que a instituição assumiu, durante dois anos, numa clínica com médicos cubanos, atendendo às necessidades especiais da criança. Ao mesmo tempo, manteve uma conta aberta para outras urgências relacionadas com o menor. O casal nunca pagou o valor, tão-pouco a mensalidade do colégio, de 50 euros, com que se tinham comprometido, por escrito.

A dívida foi executada a 20 de dezembro desse ano, altura em que Filipe Melo fez um acordo para pagar o valor durante cinco anos – com uma mensalidade de 250 euros e o perdão dos juros pelo colégio –, para suspender a penhora, desde que as prestações fossem sendo pagas. Segundo a Visão, André Ventura soube da dívida antes da tomada de posse mas, ainda assim, Filipe Melo manteve o lugar de deputado.

Antes deste caso, Filipe Melo já constava na lista pública de execuções por três dívidas que ultrapassavam os 80 mil euros:uma, de 2 de novembro de 2020, no valor de 75.575,80 euros; outra, de 13 de fevereiro de 2021, no valor de 4.146,65 euros;e a mais recente, datada de 29 de novembro de 2021, de 711 euros. Ao todo, eram 80.433,55. Uma consulta no portal Citius mostra que estas dívidas já terão sido saldadas.

Pedro Frazão é outro deputado do Chega, que voltou a ser eleito, que já se viu a braços com a justiça. Foi condenado, em fevereiro de 2022, pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste a publicar na sua conta na rede social X um desmentido sobre as informações falsas que tinha escrito sobre Francisco Louçã, que acusava de ter recebido uma avença do BES. O Tribunal da Relação de Lisboa confirmou a decisão em maio do mesmo ano, rejeitando o recurso apresentado pelo deputado.

Nessa altura, Pedro Frazão começou a utilizar uma nova conta – depois de a original ter sido bloqueada pelo então Twitter, por ter “múltiplas contas para fins abusivos” – e tentou alegar junto do tribunal que estava impedido de publicar o desmentido por não ter acesso à primeira conta onde tinha difamado Francisco Louçã. Os argumentos do deputado não colheram e foi novamente condenado a “eliminar a publicação do dia 14 de novembro de 2021, às 20h43, da sua conta na rede social Twitter”. Pedro Frazão deveria fazê-lo “no prazo de cinco dias” e seria multado em 100 euros por cada dia em que se atrasasse a fazê-lo, a contar do dia 5 de dezembro de 2022. Pedro Frazão demorou 37 dias a publicar o desmentido, fazendo-o através de uma imagem com texto, para tentar reduzir a sua visibilidade.

“Pedro Frazão afirmou o facto falso de que Francisco Louçã recebeu uma avença do BES, pelo que em Tribunal foi declarado que a afirmação é ilícita por falsa e ofensiva do direito à honra e condenado Pedro Frazão a eliminá-la e a emitir e publicar um desmentido no Twitter”, escreveu. Depois de publicado o desmentido, Francisco Louçã entregou um requerimento para avançar com uma sanção pecuniária compulsória que obrigasse o vice-presidente do Chega a pagar o valor em dívida.

Pedro Pinto protagonizou um episódio invulgar nos corredores da Assembleia da República, ao ter ameaçado fisicamente Nuno Saraiva. Em causa estava uma publicação na rede social X em que o assessor do PS elogiava Augusto Santos Silva pelas repreensões ao Chega no hemiciclo.

“Isto é defender a dignidade da Democracia, das instituições e de todos os cidadãos. É assim que se combatem os fascistas, racistas e xenófobos”, escreveu Nuno Saraiva na rede social X. “Ainda tens muito que crescer para me chamares fascista”, gritou Pedro Pinto, na Assembleia da República, ameaçando e insultando o assessor com expressões como “parto-te a tromba” ou “és um anão”. O episódio foi testemunhado por várias pessoas e um vídeo do momento foi amplamente partilhado nas redes sociais.

Além deste episódio, Pedro Pinto foi também acusado de insultar e agredir árbitros durante um torneio de futebol sub-13, no Crato, e impedido jogadas de ataque das equipas adversárias.

Já Rui Paulo Sousa foi acusado, em 2022, pelo crime de desobediência, por causa de um jantar-comício do Chega em Braga, durante o estado de emergência, em que participaram 170 pessoas. Depois de ter mentido sobre ter autorização da Direção-Geral da Saúde para organizar o evento, acabou por argumentar que não tinha consciência de estar a violar as regras do confinamento. Acabou ilibado, juntamente com André Ventura e Filipe Melo.

De ex-deputada a assessora e de novo deputada

Cristina Rodrigues era deputada do PAN na XIV Legislatura, quando o partido tinha um grupo parlamentar de quatro deputados. Deixou a bancada em litígio com o partido, passou a deputada não inscrita e não se recandidatou nas eleições legislativas antecipadas de janeiro de 2022.

Volta agora a sentar-se no hemiciclo, na bancada mais à direita, depois de ter sido eleita pelo círculo do Porto, onde surgia em terceiro lugar. Antes disso, foi assessora do Chega no parlamento.

Em junho de 2022 foi constituída arguida – com termo de identidade e residência – no processo do apagão informático do PAN, por suspeitas de ter acedido indevidamente e eliminado milhares de emails de dirigentes do partido quando se desvinculou, em coautoria com a ex-funcionária Sara Fernandes.

Deputados-fantasma

Maria Manuela Tender e Eduardo Teixeira foram deputados doPSD antes de terem concorrido nas listas do Chega de Vila Real e Viana do Castelo, respetivamente. Ambos foram acusados de falsear presenças na Assembleia da República.

Eduardo Teixeira foi acusado pelo Ministério Público após queixa-crime de um militante do PSD, por ter estado – em pelo menos 16 ocasiões, entre 2013 e 2015 – simultaneamente em reuniões da Câmara Municipal de Viana do Castelo, onde era vereador sem competências delegadas, e na Assembleia da República.

Já Maria ManuelaTender viu-se envolvida no conhecido caso das “presenças-fantasma”, em 2018. A deputada estava em reuniões da Câmara Municipal de Chaves e em reuniões plenárias no parlamento.

Mais dívidas e agressões

Bruno Nunes e Ricardo Dias Pinto, ambos eleitos por Lisboa, têm vários problemas com as Finanças. O primeiro teve bens penhorados e é presença assídua na lista negra de dívidas, sobretudo por causa da empresa Orangeporcorn, que teve três processos na Lista Pública de Execuções e foi liquidada em agosto do ano passado. Já Ricardo Dias Pinto, quinto na lista do Chega, teve o seu nome na Lista Pública de Execuções do Portal Citius, devido a uma dívida de 14.835,51 euros. O processo deu entrada a 5 de setembro de 2019 e foi extinto no dia seguinte por inexistência de bens penhoráveis.

José Barreira Soares, um dos vereadores eleitos pelo Chega que ainda não se desvinculou do partido, foi acusado de nepotismo pelo presidente da Câmara Municipal de Vila Franca de Xira, onde é vereador, por ter contratado a filha de um eleito do Chega para trabalhar no seu gabinete. Foi também acusado de tentar agredir um deputado municipal do PSD.

Finalmente, António Pinto Pereira, eleito por Coimbra, foi alvo de uma ação disciplinar em 2018 por ter manipulado testes de escolha múltipla no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa. A instituição não desmentiu e vários alunos confirmaram à Sábado que o professor foi suspenso um ano.

Artigo publicado na edição do NOVO de 16 de março