Eleições ultrapassadas e o cenário em nada se assemelha ao desejado ou expectável. Se, por um lado, o crescimento do Chega era previsível, a subida de 12 para 48 deputados, à data de hoje, parecia impossível para a maioria.

Outro exemplo foi a substancial subida do Livre de um deputado para a formação de um grupo parlamentar, fazendo jus à necessidade de uma esquerda progressista e europeísta em Portugal, sucesso já patente em muitos outros países europeus e no próprio Parlamento Europeu. A par disso, a derrota da esquerda nas urnas também já era algo a prever.

O que não era, de todo, calculável, era a perda da AD. É certo que no número de deputados da AD se situou à frente do PS, numa altura em que falta ainda contabilizar os restantes mandatos dos círculos da emigração.

O problema que aqui nasce, no entanto, não é se a AD ficou à frente um, dois, três ou até quatro deputados. É o facto de a margem ter sido diminuta face ao PS. É motivo de reflexão o facto de o PSD – ou a AD, se assim quisermos –, com toda a conjuntura em que o PS se encontra e nos colocou, com todas as polémicas subjacentes, com a fraqueza partidária e de liderança de Pedro Nuno Santos, não tenha ganho as eleições com uma margem mais significativa. E não, não seriam os enganos de AD com ADN que fariam a diferença para este caso.

Mas o que está feito, está feito. É urgente uma solução que nos dê estabilidade o mais rapidamente possível. Penso ser inquestionável o facto de termos de regressar às urnas, a curto prazo, para elegermos um novo primeiro-ministro.

Ainda que PS e Chega permitam que a AD forme governo e aprove o próximo Orçamento do Estado para 2025, a fragmentação, a repartição e a politização da nova configuração do nosso parlamento não permitirão uma solução estável e duradoura digna de durar os quatro anos da legislatura. Para isso, temos de começar a pensar.

É arrogante equacionarmos que é possível um parlamento onde um governo frágil e incerto consiga deixar passar qualquer diploma com a aprovação necessária e o apoio partidário de outras forças. Os cálculos não batem certo. Não funcionam.

Há igualmente que denotar que não é uma decisão fácil. Ao irmos para eleições, os três partidos decisivos para a democracia portuguesa de momento – isto porque o Chega quebrou o bipartidarismo em Portugal com o resultado alcançado nestas eleições – com certeza sairão penalizados pelos respetivos eleitores, levando a uma ainda maior polarização e extremada posição das pessoas. Para não falar da abstenção que cairá, novamente, em números históricos, desta vez, pela pior das razões.

O PSD e a AD perderão votos com a instabilidade em que colocaram o país ao voltar a ir a votos. Ainda que o Chega seja uma linha vermelha para muitos sociais-democratas, nem todos seguem religiosamente esta opção e vários votantes do PSD não teriam qualquer problema em ver o Chega no governo, se isso significaria retirar a esquerda do poder. Os custos seriam bastante maiores do que qualquer vantagem que se poderia retirar.

O PS, ao não viabilizar um governo da AD, encostando-se ao Chega, pode mais depressa ser penalizado por essa mesma conduta de privilegiamento de ideologias partidárias, aliadas à sede do poder, do que propriamente beneficiado pelos eleitores de esquerda. Salvo exceções, a incapacidade do PS de viabilizar o governo da AD, levando o país a uma instabilidade governativa ainda maior, com três eleições legislativas em pouco mais de dois anos, pesará na consciência dos eleitores na hora de votar.

O Chega, por sua vez, enfrenta a situação menos consensual. Tanto poderá beneficiar como ser fortemente castigado também. Ainda que se considere que o Chega só obterá um retrocesso eleitoral quando André Ventura abdicar do poder e acabar com o culto de personalidade no partido, umas novas eleições causadas pelo próprio poderão ser o seu pecado fatal.

No entanto, pode simultaneamente observar-se o efeito inverso: as camadas defensoras do Chega, ou para ele inclinadas, aprovarem o facto de o partido ser decisivo para qualquer governação e quererem manter este papel, com o objetivo ainda mais vincado de acabar de vez com o bipartidarismo e a dicotomia PS-PSD para decidir qualquer estilo de governação. Esta última interpretação é, sem sombra de dúvida, a mais perigosa que hoje em dia pode existir: a revolta e a insatisfação serem tão massivas e expressivas, ao ponto de a penalização de um partido de centro ser dupla: a do não voto, e a do voto de protesto por acréscimo.

Há que ter cuidado com esta realidade, um voto de protesto não é estrutural, não é ideológico, é temporário e conjuntural.

De todas as formas, as consequências que teremos que arcar com toda esta tempestade ainda estão para chegar. Mas não será bonito. Nem fácil.

Licenciada em Relações Internacionais e mestranda em Ciência Política