Desde os tempos da monarquia, o título de “rei de Portugal e dos Algarves” sugeria uma divisão implícita do país, como se a região a sul fosse uma entidade governativa à parte. Num passado mais recente, brincávamos sobre como o Algarve já era “estrangeiro”, sendo mesmo necessário falar em inglês para pedir uma “bica” inflacionada! Infelizmente, essa piada revela uma verdade amarga: o PIB do Algarve tornou-se desproporcionalmente dependente do turismo há décadas e enfrenta, precocemente, as consequências desse desequilíbrio alimentado por uma política pública centralista desastrosa que fomenta uma monocultura cujo excesso é altamente prejudicial.

O caos urbanístico da construção corrupta e mal planeada foi apenas o primeiro sinal de uma descaracterização cultural e socioeconómica generalizada da região. Para a população residente, sobrou a precaridade dos empregos sazonais pouco qualificados, uma infraestrutura desajustada em que os transportes públicos são inexistentes ou, na melhor das hipóteses, insuficientes; e até o saneamento básico está em falta nalgumas zonas do Algarve. As belas casas ou as urbanizações à beira-mar e os restaurantes chiques estão reservados apenas para os turistas ou são financeiramente proibitivos para os locais. Esta dependência excessiva do turismo foi acompanhada por uma invasão – perdão, “investimento” – cada vez maior de grandes marcas e de fundos estrangeiros que, focados no retorno rápido e no lucro, marginalizaram o empreendedorismo local e exportam os benefícios financeiros para fora da região.

Durante anos, o poder central de Portugal continuou a tratar o “reino dos Algarves” com a mentalidade metrópole-colónia de antigamente: o Terreiro do Paço decide o “progresso” dos “seus” territórios à dimensão do seu bolso, abusa dos recursos locais e pouco se importa com o sofrimento dos “indígenas”. Nem sequer necessidades básicas como o abastecimento de água são geridas em prol da comunidade e das suas necessidades. Se for preciso, deixa-se os autóctones entregues à sede e à seca.

Pois é: a região com mais turismo internacional do país, aquela que mais depende do turismo, a nossa estrela das “exportações”, não está feliz. Nada mesmo. Será que os responsáveis das mais variadas confederações e associações de turismo vão agora refletir fora das suas agendas centralizadas, egoístas, mono-temáticas e sem visão? Os eleitores do Algarve estão-nos a dizer: CHEGA! Chega de exploração e de políticas públicas palacianas. Chega da sub-representação parlamentar dos seus interesses. Chega de mais aeroportos, chega de mais hotéis, chega de lojas de souvenirs por todo o lado, chega de apregoar sustentabilidade no turismo e de tornar a vida dos residentes insustentável! Chega deste modelo económico disfuncional! Se é verdade que o turismo tem o potencial para ser a indústria da paz, o que criámos no Algarve foi um verdadeiro barril de pólvora.

Não acredito que o partido Chega consiga resolver nem sequer identificar ou entender esta mensagem dos eleitores Algarvios. Não é a primeira vez que eles nos lançam o grito do seu desespero, mas visto do conforto da capital, sempre condescendemos quando os Algarvios votavam nos partidos de protesto do costume, como a CDU ou o Bloco de Esquerda.

Desta vez, parece que esse grito “Chegou” até cá em cima. E agora, país?!

Pedro Castro, diretor da SkyExpert Consulting – empresa de consultoria em aviação, aeroportos e turismo