No meu artigo anterior (leia aqui) analisei as propostas concretas dos partidos políticos, nos seus programas eleitorais, especificamente voltadas para a Advocacia e para os Advogados, que constituem apenas uma pequena parte das preocupações das forças políticas com o setor da Justiça.

O grosso do diagnóstico das problemas do sector vai para as causas e consequências da morosidade e complexidade da Justiça e dos por demais evidentes prejuízos para o país, os cidadãos e a economia bem como para a performance de todos os agentes do sistema.

Como advogado, acho importante conhecer e identificar as propostas que os partidos priorizam para o próximo ciclo político, numa altura em que a atualidade jurídica, cada vez mais presente através dos media, nos exige que estejamos envolvidos na implementação de soluções.

Assim, de uma análise não exaustiva aos documentos, verifico que há consenso sobre um conjunto alargado de matérias, que dividi em dois blocos e a que grosseiramente chamo forma e conteúdo.

No que à forma diz respeito, ou seja, a aspetos mais materiais do sector, os programas de todos os partidos referem, entre outras, (I) a necessidade de aumentar a digitalização dos serviços (sobretudo dos tribunais) incluindo o uso da automatização via Inteligência Artificial das tarefas recorrentes, (II) a simplificação dos processos e trâmites processuais incluindo a diminuição da extensão das peças processuais, (III) o aumento e a melhoria das infraestruturas e meios dos tribunais, só possível com mais recursos e com autonomia financeira, (IV) o reforço dos procedimentos de resolução alternativa de conflitos como a expansão dos julgados de paz, (V) a interoperabilidade entre sistemas informáticos dos tribunais, da Administração Pública, incluindo entidades reguladoras, bem como de entidades estrangeiras e internacionais, com vista ao acesso automático a documentos e informações relevantes e (VI) a reformulação e potencial unificação das jurisdições comuns (tribunais judiciais) e administrativa e fiscal, incluindo a unificação dos tribunais superiores e conselhos superiores da magistratura para diminuir assimetrias, mantendo a especialização dos magistrados e funcionários.

Já no caso do conteúdo, os partidos também referem, entre outras, a (I) a aposta na qualificação de todos os tipos de recursos humanos dos serviços judiciais, incluindo a revisão dos modelos de formação contínua dos magistrados aprofundando a sua especialização, (II) o aumento de meios e formação para as estruturas de investigação que lidam com criminalidade complexa, incluindo a assessoria às magistraturas e a criação de equipas interdisciplinares de magistrados de investigação criminal, (III) a revisão de carreiras e rendimentos dos funcionários judiciais, incluindo do seu estatuto profissional, (IV) a revisão, melhoria e, em alguns casos, alargamento, do Sistema de Acesso à Justiça e aos Tribunais e do Regulamento Geral de Custas, (V) a revisão transversal dos prazos judiciais, adaptando-os de acordo com a complexidade dos processos, e da utilidade e necessidade de vários atos processuais em todas as fases, eliminando os que tenham natureza meramente dilatória e (VI) a criação do recurso de amparo para o Tribunal Constitucional para que os cidadãos possam recorrer diretamente àquele Tribunal sempre que entendam que as suas liberdades, direitos ou garantias estejam a ser violados pelo Estado Português.

Há, depois, matérias como a violência doméstica e de género – tema que me é caro – sobre as quais destaco algumas propostas relevantes, como a expansão da rede nacional de apoio à vítima e o aumento da sensibilização e formação específica, bem como de legislação específica e mecanismos de monitorização e intervenção (propostas transversais a todos os partidos, com ênfase na AD e PS).

Sobre o tema da extinção do SEF, e dos problemas anteriores e posteriores a essa medida, apenas a AD e a CDU demonstram a sua preocupação, pedindo uma rigorosa avaliação do seu fecho e integração noutros serviços, para identificar e corrigir desconformidades legais, falhas operacionais e áreas de conflito de competências.

Na área dos Serviços públicos, destaco a criação da figura do provedor do utente em serviços públicos (proposta pela AD) com competências para receber denúncias e queixas, auditar os serviços e emitir recomendações e, ainda, a existência de um portal da queixa dos utentes.

Apostando na melhoria da comunicação e da literacia da Justiça, vários partidos propõem peças processuais mais curtas e menos ‘palavrosas’, propondo (como a IL) “um reforço da oralidade, da simplificação e da clareza da linguagem processual, (…) aumentando a percetividade pública do seu racional”. No mesmo sentido vai a proposta de melhorar “a clareza da legislação, desde logo na sua forma, aumenta a segurança jurídica e facilita a sua [interpretação e] aplicação pelos privados, pela administração pública e pelos próprios tribunais”.

Por fim, destaco a proposta do BE – uma ideia menos consensual, pelo menos do ponto de vista da Advocacia – que é a criação de uma Lei de Bases da Justiça que consagre um “Serviço Nacional de Justiça” assente nos princípios da gratuitidade no acesso e da proximidade dos serviços de justiça.

Concluo esperando, como São Tomé, não apenas “ver para crer” mas “ver para querer”. A Justiça e os portugueses assim merecem.

João Massano, presidente do Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Advogados