Há muito tempo que a relação entre baixos níveis socioeconómicos e maior risco para o desenvolvimento de doenças (aqui, aqui e aqui). O impacto funcional da doença, entre outras coisas, afeta a capacidade de uma pessoa trabalhar, diminuindo os seus rendimentos. Os baixos rendimentos, por sua vez, não permitem um acesso pleno a medicação, literacia em saúde, alimentação saudável, habitação salubre ou a cuidados de saúde.

De forma quase silogística, segue-se que a falta de acesso a estes bens aumenta o risco para o desenvolvimento de doenças. Cria-se assim um ciclo, em que a pobreza gera doença e vice-versa e que afeta as gerações subsequentes. Um ciclo difícil de quebrar, pois entra numa espécie de feedback positivo, tornando-se num jogo viciado à partida. Um dos pontos chave para quebrar este ciclo são políticas públicas de qualidade, para voltar a nivelar o campo de jogo. Para isso poder acontecer é necessário eleger governos competentes através de eleições livres.

No entanto, a problemática não fica por aqui. A questão é que a própria participação cívica depende do estado de saúde de cada pessoa. Da mesma forma que, por exemplo, um doente crónico não consegue trabalhar, não terá tanta disponibilidade para participar em atividades políticas, tais como a militância ativa num partido, a participação em assembleias, partilha de opinião, entre outros.

Em Portugal, nas eleições legislativas do dia 10 de março de 2024, não está previsto o voto antecipado ao domicílio. Esta impossibilidade afeta sobretudo doentes a viver num lar, pessoas com mobilidade reduzida ou com múltiplas comorbilidades incapazes de sair de casa. Contrariamente aos doentes internados num hospital, que podem votar no internamento, para estes casos, a doença representa um entrave à democracia e à oportunidade de mudar as condições de vida através da participação democrática.

É possível concluir que o estado de saúde influencia a democracia e, segundo alguns estudos, a democracia também influencia a saúde. Perante a evidência disponível, destaco as conclusões de um estudo publicado na Lancet, em 2019, que analisou dados recolhidos durante 46 anos de 170 países, onde se verificou que a democracia tem um efeito direto na redução da mortalidade associada a tuberculose, doenças cardiovasculares e outras doenças não transmissíveis.

Uma das hipóteses apresentadas, corroboradas pelos resultados do estudo, é que países com regimes democráticos têm mais ganhos em saúde em doenças que dependem mais da qualidade da prestação de cuidados e de políticas de prevenção em saúde do que as autocracias. Isto deve-se ao facto de os governos democráticos estarem mais recetivos às ideias de grupos de trabalho, à partilha de informação sobre saúde, protegerem a liberdade da comunicação social e estarem mais disponíveis a usar ideias de outros para melhorarem os cuidados de saúde. Os resultados deste estudo demonstram também que quanto mais democrático o país for maior é o investimento em saúde.

Regressando ao tema das eleições, este estudo também refere que eleições justas e livres são o fator democrático mais determinante para a saúde, pois o sufrágio faz com que os governos “tomem responsabilidade pelas suas ações perante os cidadãos, com intervalos regulares e adotem intervenções em saúde com base na evidência na área do tratamento e prevenção”. Em contraste, as decisões nas autocracias apenas têm em conta os interesses de certos grupos, como o exército ou empresas, podendo até negar cuidados de saúde a opositores e respetivos apoiantes.

Um dos temas mais falados nesta campanha eleitoral é precisamente a saúde. Em geral, têm sido apontados vários problemas, realçadas algumas conquistas, propostas mudanças na área do financiamento e gestão do sistema e discutidas algumas ideias em torno da gestão dos recursos humanos.

Apesar das diferenças ideológicas dos vários partidos, as propostas eleitorais devem respeitar o direito à saúde. Para tal, o acesso a cuidados, de qualidade e baseados na evidência, tem de ser garantido, independentemente do estatuto socioecónomico, estado de saúde, idade, nacionalidade, género, entre outros, pois só assim teremos um país verdadeiramente democrático. Neste caso, não é a maçã que afugenta o médico, mas sim o voto.