O Serviço Nacional de Saúde (SNS) tem futuro. A sua missão de financiar e prestar cuidados de saúde universais e de qualidade, com foco na equidade e independentemente da capacidade do cidadão para pagar, será sempre relevante e indispensável para a coesão social de um país.

Mas não tenhamos dúvidas: o serviço público de saúde enfrenta aquela que é das maiores crises da sua história. O governo que sair das próximas eleições terá a obrigação de garantir que os princípios fundamentais que criaram e guiam a ação do SNS sejam efetivamente cumpridos. Há três áreas onde é urgente atuar: i) recursos humanos em saúde; ii) investimento nas condições físicas e materiais; e iii) reforço da resposta assistencial com foco nos cuidados de saúde primários.

Os recursos humanos são o alicerce da prestação de cuidados. Sem profissionais de saúde não há cuidados de saúde. O serviço público de saúde tem perdido demasiados trabalhadores, cuja substituição é bastante difícil. Mais grave, a saída destes profissionais condiciona e diminui a formação futura. Num processo de delapidação de capital humano que perigosamente se autoalimenta, se nada for feito de forma decisiva, o acesso a cuidados de saúde de qualidade fica em sério risco.

Por isso, é necessário rever e adequar salários. Estamos perante uma enorme desvalorização do trabalho das profissões da saúde. Os médicos e enfermeiros portugueses continuam a ser dos mais mal pagos da OCDE. Continuam a existir profissionais altamente treinados e qualificados, com vários anos de experiência, na base das carreiras, uma desvalorização que torna apelativa qualquer oferta de trabalho de um prestador do sector privado ou de um recrutador estrangeiro. O serviço público de saúde fica, assim, colocado na situação nada invejável de assumir os custos de formação sem tirar os proveitos.

Não são apenas carreiras e salários que fixam profissionais. Trabalhar num serviço com condições para uma boa prática é atrativo. Ter um laboratório ou serviço de imagiologia bem equipado também contribui para a retenção de profissionais. Tão importante como este resultado, também contribui para aumentar o acesso aos cuidados de saúde.

É injustificável o recuo do stock de equipamentos médicos pesados do SNS. O serviço público tem hoje menos equipamentos do que há cinco anos, na mesma medida em que o sector privado aumentou a sua disponibilidade. A equidade no acesso aos cuidados é colocada em causa quando há hospitais sem capacidade para realizar uma tomografia (TAC) a doentes internados ou se obriga um cidadão do interior alentejano a ter de ir até à Área Metropolitana de Lisboa para a realização de uma ressonância magnética.

Neste capítulo, é importante não colocar em último plano a necessidade de investimento na infraestrutura física. Não apenas por motivos estéticos e de conforto, mas igualmente por motivos ambientais. Melhor isolamento térmico, investimento na ventilação e na canalização têm como consequência um aumento da satisfação do cidadão, redução de custos de operação e da pegada ambiental e uma diminuição das infeções cruzadas.

Todo o sistema de saúde que tenha a ambição de ser eficiente e sustentável tem a obrigação de investir e reforçar os seus cuidados de saúde primários. Uma rede de proximidade que garanta a promoção da saúde, prevenção da doença, tratamento, reabilitação ou cuidados paliativos significa que os cuidados são prestados de forma centrada no cidadão e vão ao encontro das suas necessidades e preferências.

Para que estas atividades ocorram sem limitações, é importante que as carências de médicos e enfermeiros de família sejam resolvidas. Com cobertura universal e a respetiva dotação adequada de meios, garantimos não só a manutenção das elevadas coberturas do programa nacional de vacinação como de todas as atividades de promoção da saúde e prevenção da doença, de saúde escolar ou diagnósticos precoces na infância. Uma saúde de proximidade também tem como consequência outra externalidade positiva: uma menor utilização dos serviços de urgência. E bem que precisamos de reduzir a utilização dos serviços de urgência!

O SNS continuará a ser um dos motores da nossa democracia caso o próximo governo tenha arte e engenho para dar resposta a estes três desafios. A nova equipa ministerial terá de estar totalmente comprometida com o interesse e o serviço público. Todos, sem exceção, têm direito à proteção da saúde. Que o próximo dia 11 de março traga uma equipa com este espírito de missão!

Enfermeiro da Urgência Pediátrica e coordenador da Unidade de Saúde Pública Hospitalar do Hospital Fernando Fonseca