Na altura, vieram pelo PPD. “Lobo, lobo!”, gritaram. A recente memória do fascismo e da extrema-direita manifestou-se naqueles que, do outro lado da barricada do PREC, ousavam assumir a via reformista e não a via revolucionária. Os “inimigos da vanguarda” foram prontamente identificados, já que uma revolução é feita por dois tipos de pessoas: quem está do seu lado e quem não está.

Não julgo ideologicamente os partidos na altura do PREC – é ingénuo fazê-lo passados quase cinquenta anos, quando tanto mudou entretanto. No entanto, embora a ameaça não estivesse dentro do parlamento e sim fora dele (em figuras como Kaúlza de Arriaga), não consigo censurar totalmente o posicionamento dos movimentos parlamentares de esquerda. Após anos de resistência, é natural que o estado de alerta seja constante, já que castelos de cartas caem com a mesma rapidez que foram construídos. Seria, decerto, pelas razões certas… mas estavam errados. Não havia lobo nenhum.

Depois, vieram pelo CDS. “Lobo, lobo!”, gritaram. Com um PSD firmemente colocado no centro do espectro político português, depois de consolidado o seu lugar num Portugal europeu e  pós-PREC, a memória do fascismo e da extrema-direita manifestou-se naqueles que se sentavam mais longe da bancada do Partido Comunista. Os “inimigos da democracia” foram prontamente identificados, já que um partido só pode ter uma nomenclatura: ou é democrático ou não é.

Quanto ao CDS, talvez fosse um alvo a abater pela sua vontade de requalificar (e não revolucionar). Talvez o voto contra a Constituição em 1976 tenha deixado um sabor amargo na boca de quem via com maus olhos a integração do (pouco) eleitorado alinhado com a ditadura, não entendendo que servia efetivamente como uma rolha que impedia a disseminação da extrema-direita na sociedade civil, como que tornando-os reféns da democracia. Durante muitos anos, foi esta a linha vermelha da direita no espectro político-partidário português: conservadores, católicos e liberais. Por sermos fruto das nossas circunstâncias particulares, e porque o CDS ocupava um dos cantos do hemiciclo, foram muitos os que, injustamente, o apelidaram de algo que não era. Portanto, mais uma vez, estavam errados. Não havia lobo nenhum.

Em ambas as ocasiões, o apelo foi em vão. A preocupação constante com o estado da nossa democracia é, sem dúvida, a mais válida de todas as ansiedades. Mas, se é verdade que “quem adormece em democracia acorda em ditadura”, também o é que a constante gritaria ativa o efeito cocktail. Fomos sujeitos a um condicionamento tal que a ameaça da extrema-direita não é levada a sério, como quem diz uma palavra tantas vezes que ela deixa de fazer sentido.

Hoje, vêm pelo Chega. “Lobo, lobo!”, gritam. Agora é a sério. A ameaça é real, grave, peremptória, mas já ninguém acredita. A ameaça foi descaracterizada em prol de estratégia eleitoral. A culpa (também) é de Pedro, o nosso pastor socialista, neto de sapateiro, que continuará a clamar pelo malvado lobo enquanto for politicamente viável. Desta vez, estavam certos, mas a ajuda será pouca, e o lobo não se sentirá incomodado. E assim, numa próxima, virá a alcateia inteira.

Mestrando em Ciência Política e Relações Internacionais